O grafite transforma a cidade em livro, observa doutor em Literatura
28/04/2017 13:34
Ana Clara Silva e Natália Oliveira

O professor Bruno Martins ressalta a fecundidade do casamento com produções literárias, um reforço ao cardápio de rumos dessa forma de arte que, segundo o também especialista Karl Schollhammer, busca uma territorialidade coletiva, simbólica e rebelde. 

O Brasil acompanhou, no início do ano, a disputa entre João Dória e o grafite. Uma série de protestos foi deflagada quando o prefeito da maior cidade do país, numa investida contra pichações, apagou o mural da Avenida 13 de Maio. Pouco depois, ainda em fevereiro, uma decisão judiciou proibiu a Prefeitura de São Paulo de apagar grafites sem a permissão do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp). A suposta vitória da manifestação artística pulsante nas ruas de metrópoles mundiais e brasileiras, principalmente depois dos anos 1970, acendeu o debate sobre os caminhos do grafite, os diálogos com outras formas de arte e as fronteiras que o separa de pichações urbanas, consideradas vandalismo pela maioria das leis. Impulsionadas por novos horizontes, inclusive o tapete vermelho estendido por galerias tradicionais, as produções grafitadas imprimem articulações expressivas também com a literatura. A associação foi destacada por professores, pesquisadores, escritores e artistas no XIV Seminário Internacional de Estudos de Literatura, em abril, na PUC-Rio. 

Rua 23 de março, São Paulo. Foto: Agência Brasil

O vice-decano de Desenvolvimento e Inovação, Karl Schøllhammer, professor do Departamento de Letras, destaca o grafite como "uma forma de inscrição na cultura brasileira contemporânea". Para ele, a arte busca uma territorialidade coletiva e rebelde:

– Os grafiteiros se tornaram manifestações da cultura urbana, assim como o hip-hop e o skate. O grafite visa à formação de uma territorialidade coletiva, simbólica e rebelde.

Muito antes de ganharem novos contornos e propósitos na paisagem urbana, as técnicas do grafite frequentavam produções gráticas de diversas naturezas, como folhetins brasileiros do século XIX. O também professor Bruno Guimarães Martins, doutor em Letras pela PUC-Rio, lembra que os traços do grafite assumem historicamente também um papel didático: 

– Esses grafites aparecem até hoje em cartazes e em ruas, com diagramações muito imaginativas. Ajudavam pessoas com dificuldade de leitura a entender as mensagens. O que interessava era representar algo da ordem do manuscrito na forma tipográfica.

Ainda de acordo com o especialista, o diálogo entre o grafite e a literatura mostra-se mais pródigo do que se imagina em geral:

– O grafite transforma a cidade em livro, e causa um efeito cômico. Apesar de ser uma marca do contemporâneo, ainda mostra uma constância no passado.

A fertilidade de interseções entre o grafite e a literatura (marginal ou não) revela-se praticamente um consenso entre artistas, escritores, poetas, pesquisadores. Igualmente destacada por participantes do XIV Seminário Internacional de Estudos de Literatura – centrado nas relações dos estudos visuais com a literatura –, a proposição dedobra-se em incitaivas como exposições, oficinas e publicações dedicadas a explorar este casamento. 

Mais Recentes
Uma locadora em tempos de streaming
Com mais de 25 mil filmes e atendimento único, estabelecimento em Copacabana é um pedacinho da memória da cultura audiovisual do Rio de Janeiro
Valorização do cinema universitário na pandemia
Alunos da PUC-Rio participam da Mostra Outro Rio, uma exposição de curtas-metragens produzidos no Rio de Janeiro
Dez anos sem ele
Durante a vida, José Saramago criou um estilo próprio de escrita, de inovação na sintática e na pontuação