Restaurado, antigo Cine Palácio reabre como teatro
06/09/2016 18:52
Bárbara Tavares

Prédio de 1906, ícone da belle époque brasileira, será palco de peças, espetáculos, filmes, shows e palestras, com a menos um dia de gratuidade

Berço da vida cultural da cidade do Rio, a Cinelândia já não tem mais o cinema como marca registrada. Das 174 salas de exibição que chegou a ter, em 1955, hoje há apenas sete em funcionamento. Entre os mais famosos está o antigo Cine Palácio, que acaba de reabrir como Teatro Riachuelo.

Inaugurado em 1906, o Cine Palácio encantou cinéfilos cariocas por quase cem anos, sendo desativado pouco antes. De estilo neomourisco, o prédio foi projetado pelo espanhol Adolfo Morales de Los Rios, um dos maiores arquitetos da belle époque brasileira, responsável também pelo planejamento do Museu Nacional de Belas Artes, do Café Assyrius do Teatro Municipal e do prédio do Centro Cultural da Justiça Federal.

Antigo Cine Palácio Foto: Divulgação

O antigo Palácio ainda foi palco de momentos importantes da história do cinema brasileiro, ao lado do Pathé, e sua clássica bombonière, bem no centro da Praça Floriano. Após o primeiro filme sonoro surgir com a Warner Brothers, em 1927, a sala de exibição cinematográfica da Cinelândia exibiu, pela primeira vez no Brasil, Broadway Melody, sessão que contou com a presença do presidente Washington Luís.

Após ter as portas fechadas, o antigo Cine Palácio foi vendido pelo Grupo Severiano Ribeiro aos proprietários do Hotel Ambassador, e tombado pelo então prefeito Cesar Maia. Em 2011, o Fundo Imobiliário Opportunity se interessou pela restauração, em parceria com a Prefeitura do Rio. O Teatro Riachuelo surgiu com a entrada da Aventura Entretenimento, que tem como sócios os empresários Aniela Jordan, Fernando Campos e Luiz Calainho, formado em Comunicação na PUC-Rio.

O novo espaço é um dos muitos investimentos do Grupo Riachuelo – terceira maior corporação de lojas de departamento do Brasil, depois de C&A e Renner. Após dois anos de intenso trabalho para modernizá-lo e um orçamento de R$ 42 milhões, o Teatro Riachuelo será palco de palestras, espetáculos diurnos, filmes e shows.

A grande reforma feita preservou e restaurou elementos como a fachada (marco do antigo Cine Palácio), o piso, colunas, ao mesmo tempo em que ampliou a capacidade máxima das antigas duas salas de 180 lugares para cerca de mil pessoas.

 Democratização da cultura

Com o objetivo de preservar essa característica do cinema de rua, ou seja, a democratização da cultura, a direção do Teatro Riachuelo garante que toda a produção vai assumir o compromisso de se apresentar de graça pelo menos numa data. A inciativa tem como intuito garantir que todos possam ter acesso às atividades do novo espaço.

Como explica a cineasta Márcia Bessa, que pesquisou os cinemas de rua em sua tese de doutorado em memória social, o cinema surgiu como um entretenimento de apelo essencialmente citadino e popular. A prática dessa atividade era vista como uma opção de lazer de acesso universal, totalmente integrada à vida urbana e sensível às reorganizações do espaço público:

– Os cinemas de rua não são simplesmente salas de projeção. São espaços de socialização comunitária, de desconstrução da cidadania e de coexistência da diversidade. Essa atividade incrementa a ocupação do espaço público, as trocas sociais, a convivência coletiva e os padrões de comunicação.

 

Teatro Riachuelo

A pesquisadora ainda destaca a diferença entre o cinema de rua e a maior parte do circuito exibidor contemporâneo:

– Percebíamos a separação de classes sociais na opção pela tipologia de sala, comportamentos diferenciados, faixas etárias, identificação com filmes e cinematografias, no entanto, mesmo escolhendo cinemas diferentes, todos se encontravam na rua. O fenômeno dos cinemas de shopping ocasionou uma maior elitização do público do cinema, aumentando o número de excluídos cinematográficos.

Crise do cinema de rua

Desde o surgimento dos cinemas no interior de centros comerciais, na década de 1950, primeiramente em galerias e depois em shopping centers, a expressão “cinema de rua” começa a ser usada. A configuração do circuito exibidor cinematográfico fluminense sempre foi marcada por dificuldades e reaparições. Contudo, a maior crise estava ligada a questão estrutural.

– A conjuntura crítica que realmente marcou a época em que os cinemas de rua começaram a desaparecer por aqui foi resultado da saída das ruas para o interior de shopping centers. Além disso, desde os anos 1950, e ao longo das décadas subsequentes, a presença cada vez mais marcante da televisão no cotidiano da população, a entrada em cena do videocassete e das TVs por assinatura fizeram com que o público do cinema se reduzisse drasticamente – revela Márcia.

Teatro Riachuelo ainda em obras Foto: Divulgação

Principalmente entre as décadas de 1920 e 1960, frequentar cinemas de rua era uma atividade rotineira que estava presente no cotidiano da população urbana. Dessa forma, para evitar que haja o desaparecimento total desse programa será preciso algumas modificações e melhorias.

Os avanços no campo da tecnologia são um diferencial importante na luta pela sobrevivência, arrecadação e resistência frente às crises, segundo a cineasta. Para ela, aqueles que frequentam os cinemas possuem um perfil sobretudo jovem, portanto, sempre buscam inovações dos produtos audiovisuais. Além disso, Márcia aponta que é necessário intensificar o incentivo aos cidadãos mais pobres. Cinemas próximos às moradias da população – cinemas de bairro – e salas mais simples e de ingressos mais baratos para aqueles com menor poder aquisitivo são algumas das alternativas para diminuir esse abismo elitizado.

Márcia afirma que o cinema de rua está debilitado, mas com alta chance de superação:

– O apreço por salas de cinema em ruas e praças ainda existe. Preservar o cinema de rua é ainda poder ter e manter uma experiência diversa, repleta de nuances, charme e glamour não vistos nas salas de exibição dos centros comerciais. É poder continuar a experimentar a vivência de um tempo, de uma sociedade e de uma cidade específicos.

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