O que o esporte, a Zona Sul do Rio de Janeiro e o design têm em comum? Estes foram alguns dos ingredientes que interligaram as vidas dos estudantes Rodrigo Belli, Nicolau Locatelli e Frederico Mello, do Departamento de Artes & Design. Alguns anos depois, os produtos dessa jornada foram projetos sociais inovadores e impactantes. As duas iniciativas foram apresentadas como parte das disciplinas de Ecodesign e Projetar em Sociedade durante a 2ª Semana DAD, no dia 16 de maio.
O professor Augusto Seibel, do DAD, ressaltou que, embora tenham surgido dentro da sala de aula, os projetos são exemplos de demandas reais de alunos engajados e motivados que atuam para melhorar a vida das pessoas. Para Belli, esta vontade de mudar já estava presente desde o início da universidade.
- Eu comecei a enxergar a possibilidade de usar o design para tentar transformar o mundo em que vivemos, o que vamos deixar para as próximas gerações e consertar um pouco da besteira que as últimas gerações vêm fazendo.
A história começa em um bairro de Duque de Caxias. Segundo os palestrantes, pode parecer longe, mas Jardim Gramacho fica apenas a 30 quilômetros da PUC-Rio. O bairro se desenvolveu em torno de um lixão que existiu por mais de 30 anos, e foi considerado o maior da América Latina em volume de resíduos recebidos por dia. Em 2012, o lixão foi desativado, e a maioria das famílias da região ficou sem nenhuma fonte de renda.
- As mães levavam os filhos porque não tinham com quem deixar, então era normal os participantes do projeto falarem: “cresci na rampa. Comecei a acompanhar meus pais com 12 anos e passei a vida inteira lá”. Apesar das longas jornadas de trabalho e das más condições, uma participante falou que a época do lixão era de fartura; que eles pensavam em compra de mês, e não em compra da semana ou do dia – contou Locatelli.
Segundo dados de 2019, 78% dos moradores de Jardim Gramacho vivem em situação de extrema pobreza, o que significa uma renda mensal de R$ 330. E apenas 7,6% da população conseguem viver além dos 65 anos. Em comparação, a expectativa de vida na Gávea é de aproximadamente 80 anos. Apenas 30 quilômetros podem diminuir 15 anos de uma vida: este é o tamanho da desigualdade no Brasil.
Em 2021, depois de uma “epifania” durante a pandemia, Locatelli e Mello fundaram a ReMar com o objetivo de gerar impacto e pensar mudanças a partir de resíduos. Segundo eles, entender a cultura local era entender o papel do lixo na comunidade. A ideia era trabalhar com os moradores de Jardim Gramacho e criar condições para que eles protagonizassem as mudanças que desejavam ver, tanto nas suas vidas quanto no bairro. A ONG busca fazer isto com programas que explorem o potencial dos resíduos como ferramenta de geração de renda e desenvolvimento comunitário.
A primeira experiência foi Jardineiras de Gramacho porque a maioria das catadoras é de mulheres. No projeto, o número também é absoluto: mais de 95% de participantes femininas. Além das limitações profissionais e os preconceitos que acompanham uma vida na coleta, outro problema muito frequente para esta população é a saúde, tanto pelos riscos quanto pelo cansaço. Isto porque, sem o aterro, os resíduos agora precisam ser transportados em quantidades que chegam a 200 kg de materiais.
As trabalhadoras ficam à mercê dos preços do mercado, que flutuam e trazem insegurança financeira às famílias. Portanto, o trabalho da ReMar tem como foco fortalecer e estimular a cadeia da reciclagem local por meio da valorização do trabalho das catadoras, sejam elas de cooperativas, desempregadas ou de rua. Ao remunerar adequadamente esta atividade e fornecer serviços de qualidade como realizar trocas em domicílio, o Jardineiras de Gramacho contribui com a limpeza da comunidade, a destinação adequada dos resíduos que foram coletados, além do aumento da renda familiar e do faturamento das cooperativas locais.
Neste mesmo lugar, outra demanda também inspirou o uso do design e da tecnologia na luta contra outra crise: água. Uma em cada quatro pessoas no mundo não tem o direito de beber um copo de água limpa em casa. No Brasil, são mais de 35 milhões de pessoas, espalhadas principalmente pelas regiões semiáridas, os centros urbanos e as florestas.
A partir da percepção deste problema, Rodrigo Belli criou a Água Camelo. O serviço possibilita o acesso a uma fonte segura de água tratada para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Os ‘kits Camelo’ incluem uma mochila, um filtro de água portátil, um suporte de parede e o manual de uso e manutenção. O filtro consegue reter até 99.9% de todas as bactérias, protozoários e partículas de suspensão na água, inclusive microplásticos.
- É um produto ideal para atuar em lugares ide difícil acesso e isolados. Quando aconteceram aqueles apagões em Manaus, foi nossa primeira atuação fora do Rio. Nós ficamos motivados por o que estava acontecendo. Em um dia, nós organizamos tudo e, no dia seguinte, já estávamos lá, gerando este impacto e aprendendo muito.
Agora, a startup atua em mais de 65 comunidades em nove estados do país e já foram distribuídos mais de 820 kits Camelo que impactaram mais de 6.400 pessoas no Brasil todo. Em parceria com a AMBEV, foi possível distribuir 100 kits: 25 no Acre, na Aldeia do Mutum, e 75 no Morro da Providência, Zona Portuária do Rio.
Tanto no Acre quanto no Morro da Providência, a maioria dos entrevistados pela empresa não faziam nenhum tratamento na água que consumiam. No Acre, a proporção chegava a 80%. O reflexo disso eram relatos frequentes de sintomas de doenças de veiculação hídrica dentro das famílias. A ação da Camelo possibilitou que mais de 700 pessoas fossem impactadas em um mês, ao tornar a água segura para consumo e eliminar os sintomas.
Apoie os projetos
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Contatos: +55 21 98173-0225 (Nicolau Locatelli) e +55 21 99494-4596 (Frederico Mello)
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Água Camelo:
Site: https://www.aguacamelo.com.br/
Contato: rodrigobelli@aguacamelo.com.br
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