Infraestrutura das favelas é desafio para projetos sociais
23/05/2016 14:23
Mariana Casagrande

Em debate organizado pela Pastoral Universitária, fundador e colaboradores do Festival Literário das Periferias (Flupp) expõem as dificuldades de promover programas culturais nas comunidades.

Educação, mídia e logística são alguns dos fatores que dificultam a realização de projetos sociais nas periferias. Um dos fundadores do Festival Literário das Periferias (Flupp), o escritor e pesquisador Ecio Salles afirma que a ineficiência do transporte público e a insegurança das favelas são os maiores entraves. Em palestra organizada pela Pastoral Universitária da PUC-Rio, no anfiteatro Junito Brandão, no dia 18, Salles explicou que, para realizar a Flupp, ele aplica o conceito do “se virismo” para se adaptar à dificuldade de acesso e a precariedade da iluminação, refrigeração e acústica. Écio vê a infraestrutura deficiente como um obstáculo a ser superado, uma vez que “o objetivo do programa é exatamente levar cultura e oportunidades para quem mora na favela e reconhecer a potência dessa geração, formando escritores que venham das classes mais marginalizadas”.

Foto: Mariana Salles 

O Flupp leva literatura às comunidades desde 2012, e já realizou quatro edições que contaram com saraus, debates, exposições de arte e entrevistas com escritores brasileiros e estrangeiros nas periferias do Rio. De abril a setembro deste ano, o projeto terá preparado pequenos encontros aos sábados na Maré, no Complexo do Alemão, e em Manguinhos, entre outras comunidades. Em novembro, a quinta edição do festival será realizada na Cidade de Deus e vai homenagear o escritor Caio Fernando Abreu.

A pedagoga e escritora Raquel de Oliveira criticou a desunião e a burocracia na educação pública do país: “A verba é curta, os equipamentos estão desatualizados e o material não é valorizado”. Ela contou que na Escola Rinaldo de Lamare, em São Conrado, viu livros empilhados, biblioteca com goteiras e obras de Machado de Assis em mau estado de conservação. Raquel também relatou o medo dos professores em dar aulas em comunidades não pacificadas. A escritora, que nasceu na Rocinha e está lançando o livro A número um, destacou a importância do Flupp: “O Brasil é um país onde as pessoas não leem, e nas favelas, ninguém tinha mais espaço que o Facebook para se expressar”.

Raquel citou outros programas sociais voltados aos cidadãos de baixa renda que precisam de visibilidade, como as Bibliotecas Parque, “que vivem vazias”, o Rede para a Juventude e o Ensino de Jovens e Adultos (EJA), “que não é conhecido”. A professora denunciou a falta de bibliotecas e livrarias na Rocinha, que tem apenas duas papelarias: “O Estado não cria incentivo para o favelado ler”.

Diretor da Cia. Completa Mente Solta, criada em 2006 como um projeto de arte-educação no Colégio Estadual André Maurois, no Leblon – e que fez turnê pela Europa em 2015 – o escritor Márcio Januário, também participante da Flupp, ressaltou que a Flupp pretende “dar voz aos negros e pobres para criar conflitos positivos e reflexões sobre o papel desses reféns do sistema na sociedade”, apesar das dificuldades de fazer chegar o evento a conhecimento mais amplo. Ele criticou a mídia pela falta de divulgação dos problemas das favelas, como assaltos recorrentes no Vidigal e estupros da Rocinha, e por “estereotipar o morador das comunidades”.  

Foto: Mariana Salles

Para Ecio Salles, a falta de incentivo à formação dos jovens pobres pelo governo é um “ato racista”: “O Brasil se estrutura no privilégio dos brancos. Quando há maior acesso dos pobres a algum serviço, ele é abandonado”, afirmou ele, que lamentou que o Colégio Odilon de Andrade, em frente ao Complexo do Alemão, onde estudou, não ofereça mais “um bom ensino”.

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