Folha de S.Paulo: uma parceria com a ditadura
28/09/2023 17:47
Eduarda Farias e Letícia Guimarães

Pesquisa analisa a cumplicidade empresarial do jornal com o regime civil-militar de 1964

Palestra do Departamento de Comunicação debateu o papel da imprensa durante a ditadura. Foto: Mateus Monte

A participação da Folha de S.Paulo, durante a ditadura de 1964, vai além do papel convencional de um veículo de comunicação. Marcado pela cumplicidade empresarial e pela parceria com a repressão, o jornal é uma das 64 empresas ainda ativas que colaboraram com o regime ditatorial, segundo a Comissão Nacional da Verdade (CNV). A palestra “Imprensa, ditadura e processos de justiça de reparação: Quais as responsabilidades da imprensa em relação à ditadura?”, promovida pelo Departamento de Comunicação, no dia 20 de setembro, convidou a professora  Ana Paula Goulart, da UFRJ, e o historiador Lucas Pedretti para apresentarem a pesquisa "Responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a ditadura: o caso Folha de S.Paulo".

O estudo ressalta a colaboração material da Folha de S.Paulo na Operação Bandeirantes (Oban), centro de investigação do Exército para combate às organizações de esquerda, com o empréstimo de carros de entrega de jornais para os agentes da repressão. O jornalista e político Cid Benjamin, que era guerrilheiro no período, também participou do encontro e comentou o caso Folha. Ao reforçar o papel do jornalismo na sociedade, Cid afirmou que o grupo terá de se retratar pela participação no regime civil-militar.

— A imprensa sempre foi muito importante para fazer a cabeça das pessoas, para eleger candidatos, reforçar certas propostas políticas e enfraquecer outras. Esse episódio da Folha foi diferente, ela fez uma parceria com a repressão. Os carros  serviam aos órgãos de repressão que prendiam e torturavam. É algo sério, a Folha vai ter que lidar com isso.

Além da cumplicidade empresarial, Lucas Pedretti apontou a necessidade da imprensa atual e da historiografia observarem o período da ditadura para dar voz a novos personagens e atenção a novas perspectivas. Ele citou as violências que a exploração da Amazônia causou aos povos originários, os avanços em áreas rurais aos camponeses e o preconceito à comunidade LBGTQIA+ como exemplos de leituras dos anos da ditadura ainda não estudados a fundo na atualidade.

O pesquisador destacou como o Brasil ainda tem pouco cuidado com sua história democrática, o que dá brecha para novas violências e o não-rompimento de um ciclo de agressões socialmente aceitas. Para ele, ainda é preciso entender e reconhecer os crimes da ditadura com órgãos como a Comissão da Verdade, Comissão da Anistia e Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

— Entender a centralidade da questão da cumplicidade empresarial na ditadura, como um projeto de classe, seria um ganho muito grande. Dessa forma, caminhando na direção de construir uma memória coletiva de repúdio ao regime, à tortura, às violações dos direitos humanos, que nós, enquanto país e comunidade, até hoje não conseguimos reconhecer de maneira satisfatória - afirmou Lucas Pedretti.

Lucas Pedretti destacou a cumplicidade empresarial da Folha de S.Paulo com o regime civil-militar. Foto: Mateus Monte

Dividida em três vieses, a pesquisa analisou, além da cooperação direta (apoio material e editorial e contratação policial), os danos aos trabalhadores (perseguições, demissões e violações dos direitos) e ganhos financeiros do grupo Folha. Ana Goulart lembrou a situação econômica complicada do jornal, até a compra pelos empresários Carlos Caldeira Filho e Octávio Frias. Antes do Ato Institucional 5, a redação da Folha da Tarde tinha majoritariamente jornalistas de esquerda e cobria movimentos sociais. Com a censura, o veículo sofreu mudanças na chefia, no editorial e na equipe, que passou a ser composta por policiais e tomar uma posição mais abertamente contrária àqueles opostos ao golpe.

A divulgação de dados pessoais, as críticas e os adjetivos severos voltados aos militantes caracterizavam a nova linha editorial da Folha. Em uma edição, uma página inteira foi dedicada à reprodução de inquéritos com dados pessoais de presos políticos com nome completo, filiação, idade e endereço, tal como um disque-denúncia. Os pesquisadores apresentaram o caso de Rose Nogueira, ex-repórter da Folha, que, após sair de licença à maternidade, foi presa por se opor ao regime militar. Ao voltar a trabalhar, ela descobriu que foi demitida por abandono de emprego, o que qualificou violação dos direitos trabalhistas por parte do jornal.

A postura da Folha de S.Paulo foi criticada pelos palestrantes que lembraram o papel do jornalismo na reafirmação da democracia. Cid Benjamin reforçou a permanente necessidade de manter um jornalismo sério e correto, assim como a luta pela democracia deve sempre ser travada e aperfeiçoada. A jornalista, professora e uma das organizadoras da conversa, Carla Siqueira,  trouxe o debate da função dos jornalistas para o cenário atual. Depois de citar os ataques em Brasília do 8 de Janeiro, ela expressou como a nova geração de jornalistas tem de estar atenta às ameaças que podem surgir contra a democracia no país.

— Estamos acompanhando o julgamento do Supremo Tribunal Federal que está sendo bastante rigoroso e acertado para tentar dar um sinal à sociedade brasileira de que não é aceitável tentar derrubar a democracia. Isso é um alerta, para nós jornalistas, de como é o nosso trabalho estar sempre atento aos possíveis ataques à democracia. É nosso dever tentar contribuir para que crimes do passado que ficaram impunes sejam julgados e o mal seja reparado. Só assim poderemos viver a nossa democracia de forma plena.

A professora do departamento, Carla Siqueira, enfatizou a importância do jornalismo para prevenir os ataques à democracia. Foto: Mateus Monte

A palestra “Imprensa, ditadura e processos de justiça de reparação: Quais as responsabilidades da imprensa em relação à ditadura?” foi organizada pelos professores do Departamento de Comunicação Carla Siqueira e Chico Otávio, que compôs a mesa junto a Ana Goulart, Lucas Pedretti e Cid Benjamin. O encontro mediado pelo estudante de Jornalismo da PUC-Rio e repórter do jornal Fala Roça, Rodrigo Silva, reuniu professores e alunos.

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