A atualidade de Hannah Arendt
04/12/2018 13:04
Pedro Madeira

Colóquio Internacional Interdisciplinar Hannah Arendt celebra a memória da autora e resgata os temas debatidos por ela por meio de suas obras

Descendente de judeus russos emigrados, Hannah Arendt nasceu em 1906, na cidade de Linden, na Prússia, e morreu em 1975, em Nova York. O pano de fundo histórico-político vivenciado pela autora é o ponto central do pensamento arendtiano: a autora viu a comunidade judaica morrer em campos de concentração e sofreu na pele os efeitos das políticas antissemitas do Nazismo. Em 1958, a autora escreveu o livro A condição humana, que seria a obra central em seu pensamento e o mote do I Colóquio Internacional Interdisciplinar Hannah Arendt: Totalitarismo, subjetividade e responsabilidade, que ocorreu na Universidade nos dias 29 e 30 de novembro.

Em comemoração dos 60 anos da obra, o Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio, em parceria com o Laboratório de Pesquisa sobre Práticas de Integralidade Médica (LAPPIS), abriu espaço para o debate e a reflexão do pensamento arendtiano em termos atuais. A falência dos Estados Nacionais em dar respostas pacíficas e democráticas às demandas de uma sociedade cada vez mais massificada, a produção do ‘homem ilegal’ - o estrangeiro indesejado que se encontra nas filas de assistência a refugiados -; e a contemporaneidade do pensamento da autora estiveram na seara de reflexões levantadas. Para a coordenadora do LAPPIS e professora do Instituto de Medicina Social da Uerj, Roseni Pinheiro, o debate sobre o pensamento da autora reflete o momento político atual.

Maria Ribeiro

- A gente está em um momento delicado de ameaça a direitos já conquistados. A nossa tarefa civil é refletir, de alguma maneira, devolver e incluir a sociedade nesse debate, do qual as universidades, sejam elas privadas ou públicas, não podem se esquivar.

Criado há 18 anos, o LAPPIS, segundo Roseni, é um centro multidisciplinar de pesquisadores e professores com o intuito de oferecer uma alternativa social e preventiva à medicina formal. De acordo com ela, Hannah Arendt é referência para o laboratório de pesquisa ao se pensar a questão do direito à saúde, implementado à agenda do grupo há oito anos. Ela conta que o trabalho de assistência jurídica desenvolvido pelo LAPPIS a aproximou da também coordenadora do encontro, a professora do Departamento de Direito da PUC-Rio Bethânia Assyr. Segundo a integrante do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio, Hannah Arendt, ao analisar as instituições constitutivas do totalitarismo Nazista, fez uma releitura das democracias e deixou a noção de despolitização como vestígio à análise político-histórico atual.

- A Hannah Arendt fornece elementos que passam a surgir no contexto político atual. Como o racismo, o totalitarismo, a burocratização e os limites da democracia representativa. A gente vive um momento histórico no Brasil em que a despolitização, ou a antissistematização da política, em termos mais estruturais partidários, foi positivo para a eleição de certos candidatos. Ou seja, candidatos antissistema, candidatos anti política, em termos institucionais.

Na quinta-feira, 29, o professor de Filosofia da UNIRIO Rodrigo Ribeiro apresentou o tema Totalitarismo, Democracia Liberal e o Desafio do Mundo Moderno. De acordo com Ribeiro, a decadência da noção cívica de participação na coisa pública é um efeito da descartabilidade e desenraizamento das massas, iniciados após a Revolução Industrial. Segundo o professor, a pequena adesão da sociedade nas democracias modernas liberais - expressas somente na participação em votações de quatro em quatro anos - turvam o sentido essencial da política que, em Hannah Arendt, é a liberdade.

-  A democracia moderna fortalece os preconceitos tradicionais sobre a política ao sediar a esfera do político no aparato burocrático do estado e ao sustentar que a liberdade começa onde a política termina. A vida política seria, então, um mal necessário: quanto menos política, mais liberdade, o que intensifica a oposição entre política e liberdade, mas também a identificação entre poder e violência.

A liberdade, a singularidade e a pluralidade foram alguns dos valores defendidos por Arendt e que formaram a tônica da avaliação de Ribeiro. Segundo ele, a existência ativa dos homens no espaço público, em ação e conversa, é essencial para compartilhamento democrático do mundo. No entanto, pontua o Ribeiro, a despolitização generalizada afastou o homem do pensamento crítico em relação à noção de realidade conferida pelo senso comum. O professor acrescenta que a democracia não se trata apenas de uma igualdade formal de status jurídico. 

- O ordenamento jurídico não é fundamento garantidor da liberdade democrática, até a ditadura pode funcionar via instrumentos adequados para a vida democrática. Lamentavelmente, a gente vê hoje demandas por governos fortes, no qual todos devem ser enquadrados na lei ou serão terroristas, mas uma democracia real, na verdade, é aquela que dialoga sem excluir; age sem discriminar e confere a todos o poder de falar e lutar pelos seus próprios direitos.

Hanna Arendt e a noção de refugiado

Arendt escreveu, em 1943 - ano em que descobriu a existência dos campos de concentração -, o texto “Nós, refugiados”, para o The Menorah Journal, no qual descreve a situação dos milhões de judeus ilegais diante das políticas antissemitas da Europa na época. Este texto serviu como base para a palestra do professor de filosofia da Universidade Federal do Ceará Odílio Aguiar, ministrada no último dia de colóquio.

Odilio Aguiar

De acordo com Odílio, entender a questão judaica é vital para interpretar o pensamento de Hanna Arendt e compreender as condições dos refugiados do contexto global atual - os sírios, venezuelanos, cubanos, somalianos. Segundo a definição de refugiado evocado pela autora no texto, o refugiado “costuma ser uma pessoa obrigada a procurar refúgio devido a algum ato cometido ou por alguma opinião política”. No início do artigo, a autora explica que o termo ‘refugiado’ passou por uma ressignificação por conta da condição dos judeus no contexto da Segunda Guerra Mundial. A autora lembra que os antigos judeus exilados, antecessores da massa judaica vítima do extermínio nazista, eram chamados de ‘recém-chegados’ ou, simplesmente, ‘imigrante’. Odílio chamou a atenção para a disposição militante e o engajamento na causa judaica da autora na época.

- A Hanna Arendt diz que esse outlaw é diferente. Pela primeira, nós estamos produzindo o homem ilegal só pelo fato de ser homem. Ele já nasce ilegal e desprotegido. Esse outlaw é aquele que perde a sua condição de ser humano e os vínculos com a humanidade. Ele se torna um refugo da terra; pessoas dispersadas, ostracizadas, condenadas a sair da comunidade por questões religiosas. E indeportáveis, pois não tem para onde serem deportados.

Para Rodrigo Ribeiro, o debate sobre os refugiados no pensamento de Hanna Arendt desafia os leitores a pensar sobre o sentido e a relevância do pertencimento ativo do homem nas coisas comuns. Segundo ele, as “condições de selvageria” a qual os refugiados estão submetidos são um problema político central ainda hoje.

- Esta é a situação de milhares de refugiados pelo mundo, especialmente na Europa, mas também nos EUA e no Brasil, com a chegada dos haitianos e venezuelanos. Há uma imigração clandestina enorme de trabalhadores em direção aos países centrais do capitalismo avançado. Além dos refugiados de outros países, têm os refugiados dos seus próprios países, como é o caso de massas economicamente supérfluas, desprovidas de cidadania e ocupação social digna.

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