A escravidão e a resistência religiosa foram os temas abordados no Seminário Teologia e Negritude, no dia 30, idealizado por alunos de Teologia e promovido pela Cátedra Carlo Maria Martini. Com o objetivo de levantar questões sobre a identificação, o racismo, a cultura e a história negra, a abertura do encontro contou com a apresentação do grupo de capoeira Lê Mestre.
Um dos alunos organizadores, Valdir Moreira, ressaltou a necessidade de discutir e celebrar a negritude no ambiente acadêmico porque, para ele, é na sala de aula que as ideias aparecem. Moreira também explicou que o atual cenário político-social do Brasil serviu de base para definir os temas trabalhados nas mesas de debate, O Negro e a Escravidão no Brasil e Religiosidade Negra: Uma Forma de Resistência e Sobrevivência.
- No meio acadêmico é onde surgem as ideias e, algumas vezes, ideias erradas sobre o que é ser negro, a identificação. É necessário, na universidade, ter esses encontros para podermos esclarecer essas ideias. Falar sobre escravidão é fundamental em tempos nos quais ouvimos que o negro não foi escravizado ou que os portugueses só os traziam para cá porque eles queriam. Falar das religiões de matriz africana é importante porque a nossa educação europeia nos ensinou que é tudo demoníaco e, mesmo que a gente não siga ou pratique, é necessário acabar com esse preconceito.
A mesa de abertura foi composta pelo diretor do Departamento de Teologia da PUC-Rio, padre Waldecir Gonzaga, pelo assessor leigo da Pastoral Afro do Regional Leste 1 da CNBB, Bruno Tefé, e pela coordenadora do Centro Cultural de Tradições Afro Brasileiras YIê Eg Omim, Iyá Wanda d’ Omolu.
Padre Waldecir trouxe a memória do guerrilheiro Zumbi dos Palmares que virou símbolo da resistência negra. Ele também lembrou a principal missão do seminário que é influenciar a reflexão acerca dos atos racistas que ainda existem na sociedade e a importância da mudança de hábitos como forma de quebra com os preconceitos instaurados.
- Acho importante, nesse mês da Consciência Negra, relembrar Zumbi dos Palmares. Este homem que permanece um ícone, mas um líder negro de todas as raças. Para nós, essa ocasião é para reflexão do negro. Não se trata apenas de reconhecer, mas de trabalhar a consciência, conquistar espaço e refletir nossas atitudes como comunidade.
A questão musical periférica foi o principal foco de Tefé. Ele afirmou que os ritmos musicais como o samba são formas de a sociedade ser receptiva à produtos culturais de origem negra e periférica. A mãe de santo e coordenadora do Centro Cultural de Tradições Afro Brasileiras YIê Eg Omim, Iyá Wanda d’ Omolu, trouxe a ancestralidade como forma de resistência religiosa, cultural e social para a mesa. Ela levantou questões como o racismo estrutural, os impactos que permeiam até hoje na população afrodescendente, e afirmou que, nesse contexto, ainda há necessidade de falar sobre Consciência Negra no Brasil.
- Enquanto não for relevante falar que a história de trabalho no Brasil se iniciou com sequestro, assassinato, tortura e escravidão por quase quatro séculos, enquanto a população negra for maioria nos presídios e minoria nas universidades, enquanto a cada três jovens assassinados, dois são negros, enquanto os corpos das mulheres negras são sexualizados e enquanto a cultura negra não é valorizada na sociedade e ensinada nas escolas, falaremos de Consciência Negra. A luta dos nossos ancestrais ainda é a nossa luta e não coitadismo, como muitos dizem.
Após a mesa de abertura, a jornalista Nilza Valéria, da Frente de Evangélicos pelo Estado Democrático de Direito, participou da primeira mesa sobre o tema O Negro e a Escravidão no Brasil. Ela ressaltou a questão das religiões de matrizes africanas servirem como ponto de partida para que os negros pudessem seguir diversas crenças. Para Valéria, o protestantismo e o pentecostalismo ainda precisam se posicionar em relação às questões raciais, já que nas áreas periféricas e de comunidades, grande parte dos evangélicos é negra.
- É preciso reconhecer como o Candomblé e a Umbanda, por exemplo, lutaram pelo direito de crença do povo negro. Nas igrejas, nós temos a questão de sermos todos iguais perante Deus e não se falar disso. Falamos da escravidão dos Hebreus na escola Bíblica Infantil, por exemplo, mas não falamos da que aconteceu no Brasil e da identidade negra, ou do motivo de poucos negros e negras estarem em posições importantes na Igreja, como pastores ou líderes.
O compromisso humanitário e a decepção religiosa foram alguns dos aspectos que o padre Geraldo Natalino, doutorando em Ciência da Religião na PUC-SP, discutiu na segunda mesa. Ele também relacionou a ancestralidade com a fé negra, no sentido de que as religiões de origem africana têm convergências entre si em alguns conceitos místicos, como o Exú, que no camdomblé é considerado um dos mais importantes e não é incorporado, ao contrário da umbanda, que oferecem consultas com o orixá.
- A fé negra está diretamente ligada à ancestralidade. O culto, o respeito aos ancestrais é muito presente quando você vai em um terreiro. E mesmo quando essas religiões se desdobraram no ocidente, encontramos semelhanças entre elas, porque o ancestral é um só. A misticidade dessas religiões, dessas crenças, converge. Um exemplo disso é Exú, o orixá da comunicação, da disciplina e da paciência. Na umbanda, ele é incorporado, pode-se fazer consultas e tudo. No candomblé, ele é considerado tão importante que não pode ser incorporado.