O século XXI é conhecido como a era da informação ou tecnológica, com transformações digitais que causam impactos e geram desafios já conhecidos, como a automação e um potencial desemprego. É o que afirmou a professora Ana Luísa Palmisciano, advogada e assessora jurídica, mediadora da palestra promovida pelo Departamento de Direito na última quarta-feira, 12. Profissionais das áreas de direito, informática e economia foram reunidos para um debate multidisciplinar sobre as modificações do mundo do trabalho a partir das novas tecnologias.
Economista especializado em mercado de trabalho, Paulo Jager assinalou que a divisão no processo produtivo dessas novas tecnologias, porém, não é igual. Segundo ele, a automação, que é a possibilidade de produzir serviços sem necessidade da interferência humana, é uma dimensão importante porque traz como consequência mais imediata o risco do desemprego.
– As projeções apontam para uma possível queima de muitos postos de trabalho. Existem autores que defendem que novos serviços e oportunidades de ocupação serão criadas e que essa consequência negativa é mais aparente, mas é fato que as novas tecnologias penetram o setor de serviços fortemente, e é aí onde estão a maioria das pessoas empregadas atualmente.
Um estudo recente mostrou que, no Brasil, potencialmente 55% dos postos formais de trabalho existentes são passíveis de serem automatizados, seja pela robotização ou o aprendizado das máquinas com a Inteligência Artificial. Os dados, citados por Jager, são suficientes para preocupação. Os maiores problemas do país, para ele, são estruturais. Ele citou, entre eles, a alta taxa de desemprego, o elevado número de trabalhadores informais, com baixo salário, postos de trabalho de baixa qualidade e produtividade e conteúdo tecnológico reduzido.
– Se não somos capazes de ter a participação da indústria, que é a via maior de agregação de valor, não vamos conseguir fugir da situação atual. Ao invés de tentar fazer uma movimentação nesse sentido, estamos fazendo o contrário, um encontro com o passado. Isso é uma preocupação, porque se não tivermos uma estrutura econômica adequada, seremos um país que vai importar tecnologia, o que terá um efeito ainda maior no nível de desemprego. A conversão para outros postos de trabalho será feita em parte, a parcela do desenvolvimento dessas novas tecnologias ficará de fora.
Para o professor Paulo Périssé, do Departamento de Direito, a ideia de que a tecnologia pode eliminar postos de trabalho é uma realidade. Périssé, que é juiz do trabalho e doutor em sociologia, observou que 55% das ocupações equivalem a 30 milhões de empregos em risco até 2026, o que corresponde a mais ou menos 90% dos empregados com carteira assinada no setor privado do Brasil. Segundo ele, a tendência dos países ricos é olhar para o processo de industrialização pelo viés da desigualdade. No Brasil, por outro lado, estaríamos partindo dela, assinalou o juiz.
– Nós temos um país completamente desigual, e parece que nós naturalizamos isso. A hipótese de caixas de autoatendimento, por exemplo, é fatal em um mercado em que as pessoas têm baixa qualificação. Elas vão trabalhar aonde? O que elas vão fazer? Nós temos assistido a isso. E o problema talvez seja esse: temos assistido. E o direito do trabalho não é a resposta adequada, pelo menos não da forma como lidamos com ele e construímos a nossa legislação trabalhista, ignorando completamente a realidade do mercado.
Também integrante da mesa de debates, a PhD em Computer Aided Civil Engineering na Universidade de Stanford, Ana Cristina Bicharra observou que o mundo está preocupado com a Inteligência Artificial, em parte pela contribuição da mídia, ao reproduzir o mito de que a tecnologia avançada substituirá os atuais postos de trabalho. Segundo a especialista em IA, essas questões afastam o olhar das pessoas para o que realmente importa, uma vez que as novas tecnologias são um caminho sem volta. Ela, no entanto, não tem uma visão pessimista com relação ao futuro.
– Minha mensagem é positiva. Acho que devemos nos preparar, e ao mesmo tempo vemos que já estamos fazendo isso. Apesar de todo o medo, vemos que com toda a tecnologia o desemprego está caindo. No Brasil não, mas aí é um problema governamental, e isso é outro ponto. Precisamos questionar se as inovações estão refletindo o que realmente queremos, a nossa cultura. Feito isso, a tecnologia se torna ótima, com grande potencial para contribuir com aumento da qualidade de vida.