Um país com ódios e afetos partidos
20/09/2019 09:14
Letícia Messias e Nathalie Hanna Georges

Historiadora Lilia Schwarcz encerra a Semana de Ciências Sociais na PUC-Rio

Lilia Schwarcz encerra a XI Semana de Ciências Sociais. Foto: Catarina Kreischer

Autora do recém-lançado livro Sobre o autoritarismo brasileiro, a historiadora e professora da USP Lilia Schwarcz esteve na Universidade para encerrar a XI Semana de Ciências Sociais. No encontro, ocorrido dia 6 de setembro, a convidada abordou o papel do cientista social no contexto político atual e fez um panorama sobre as origens da opressão no país.

Doutora em antropologia, Lilia começou o encontro ao questionar o lugar das Ciências Sociais na atualidade. O conservadorismo, segundo ela, é um fenômeno em vários lugares do mundo, com representantes governamentais que pensam na democracia apenas como um ganho eleitoral. No Brasil, as jornadas de 2013 e 2014 representam, para ela, a origem da polarização política que vemos hoje com maior notoriedade.

– Os muros que estamos construindo tornam mais evidentes a intolerância apanhada nas pesquisas. Também penso que essa crise aumentou em 2016, com o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Quem assistiu à cerimônia na Câmara viu que ele foi um fenômeno de familismo. Eles votaram, sobretudo, em nome de seus familiares. Esse processo estourou com o caldeirão da democracia, se é que ele existia. Normalizou esse tipo de comportamento, que ficou mais evidente no nosso momento.

Para a professora, o problema mais imediato que os estudantes de Ciências Sociais precisam enfrentar é o corte das bolsas de pesquisa. De acordo com ela, a ação representa uma tentativa de acabar com setores de produção acadêmica. As consequências disso, observou atingirão a todos na sociedade. Acabar com projetos de estudos nas universidades é, também, para ela, acabar com o futuro.

Lançamento do livro Sobre o autoritarismo brasileiro. Foto: Catarina Kreischer

A autora chamou a atenção para a representação do Brasil. Segundo Lilia, durante muito tempo o país foi visto como harmonioso e igualitário. Atualmente, porém, há, de acordo com ela, a normalização de comportamentos autoritários e misóginos, o que fez com que a imagem do país se transformasse. Ela comentou que no livro Sobre o autoritarismo brasileiro, que lançou em maio deste ano, procurou usar os conhecimentos das Ciências Sociais para explicar que o país sempre teve raízes autoritárias.

– Eu tentei escrever o livro a partir da ideia de que o nosso presente anda cheio de passado. A primeira questão incontornável no Brasil, para mim, é a da escravidão e do racismo. É impressionante como o país e os brasileiros sempre se pretenderam mostrar como um país harmonioso, mas, no entanto, a vigência da escravidão, por mais de três séculos, e o caráter escravocrata deste país não permitem de maneira alguma que tenhamos este tipo de conclusão.

Em 2018, quando a autora começou a escrever o livro, o Brasil era o décimo país mais desigual do mundo. Ao terminar obra, no primeiro semestre deste ano, ele já ocupava a nona posição. No que se refere ao item concentração de renda, o número sobe para o quinto lugar. Lilia comentou que esses dados fizeram com que ela refletisse o que a corrupção faz e o que ela retira da sociedade. De acordo com ela, a violência existente na sociedade brasileira aparece em todas as instâncias.

– No livro eu chamo muita atenção sobre a questão da intolerância e como os números têm crescido em escala geométrica. A ideia de cansaço, de ressentimento. O Brasil anda com muitos ódios e afetos partidos. Falo muito da violência de raça e de gênero, que é muito paradoxal no Brasil. O país tem a maior parada gay, a maior parada LGBTTQ e, no entanto, é também o país campeão na violência de gênero.  Os números são de fato muito impressionantes, e eles falam muito sobre o país que estamos vivendo.

XI Semana de Ciências Sociais. Foto: Catarina Kreischer

O contexto atual é, de acordo com Lilia, um momento de produção de narrativas. A historiadora chama a atenção para os pronunciamentos do atual governo, que busca contradizer dados históricos, como o fato de que houve uma ditadura militar recente no país. Para ela, a atitude é de desrespeito aos familiares e cidadãos que foram torturados e assassinados. A antropóloga afirma que, embora este seja um período difícil para os estudantes, em especial para os das áreas humanas, o momento também exige a resistência da Academia.

– É um momento de clara batalha sobre as narrativas históricas e sociais. E, nesses momentos, acho que as ciências humanas, de uma forma geral, nunca foram tão urgentes. Penso que vivemos em um momento muito paradoxal. Um momento em que, ao mesmo tempo em que a Academia vem sendo muito atacada, ela nunca foi tão importante. Acho, portanto, que, para vocês, e para nós, que andamos com tantas dúvidas, nunca foi tão importante ser cientista social como neste contexto.

 

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