Luta por visibilidade
27/11/2019 16:13
Ana Carolina Moraes

Em uma conversa, pesquisadoras analisam o lugar da população LGBT+ no Brasil

A mesa Quando o surreal se torna normal: Resistências LGBT+ em tempos de Bolsonaro ocorreu durante o Festival de Primavera. Foto: Amanda Dutra

A luta da população LGBT+ para ocupar espaços no Brasil requer coragem, garra e deboche. As duas participantes de uma discussão promovida no Festival de Primavera qualificaram essas atitudes como fundamentais para resistir diante dos desafios que o grupo enfrenta no país.  foi o tema do debate, que teve a participação de Wescla Vasconcelos, mestranda em Cultura pela UFF, e Maria Leão, doutoranda em Saúde Coletiva pela UERJ.

Primeira aluna transexual em dez anos do curso de mestrado em Cultura na UFF, Wescla ressaltou a desigualdade presente nos espaços de convivência em sociedade, como universidades e escritórios. Ela mencionou que quase 70% de travestis e transexuais não têm acesso à educação básica no Estado do Rio de Janeiro e acrescentou que o número revela que um direito básico dessa parcela da população não está sendo garantido pelo estado.

- É um debate que se o direito à educação, que é um dos pilares principais, está sendo negado, então diversos outros direitos, como acesso à cultura e segurança pública, também estão. A nossa luta é para enfraquecer a rigidez e a violência que é praticada por essas instituições de controle social, seja ela a família, a Igreja, a polícia, o Estado ou as universidades.

Maria Leão falou sobre a vivência como mulher bissexual. Foto: Amanda Dutra

Maria Leão contou que a pesquisa é o principal campo de trabalho em que atua. Ela lembrou que os cortes nos programas de prevenção sexual realizados pelo governo dificultam a prevenção de violência doméstica e sexual, a contaminação de ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) e dificultam o acesso de travestis e transexuais à educação por causa do preconceito.

- O nosso conceito do que é ciência está em disputa, e a minha ciência serve para servir ao povo. Se não tem uma antropóloga maluca, indo na escola para falar que não nasce menina e nem menino, e que as pessoas se tornam quem elas são. Como os jovens vão ter essa discussão em sala de aula?

Segundo Wescla, uma das consequências da discriminação no Brasil pode ser observada no mercado de trabalho. Ela lembrou que mais de 90% de travestis e transexuais no Brasil trabalham com prostituição por ser a única opção que essas pessoas têm para conseguir sobreviver.

- A gente não luta contra a prostituição e nem somente para sair dela, a gente quer que as prostitutas do nosso país tenham proteção. A gente quer que os direitos sejam assegurados porque é uma atividade de trabalho, exercida de forma muito insalubre e sem atenção nenhuma do poder público.

Temas como acesso à educação, ao trabalho e saúde pública foram discutidos no debate. Foto: Amanda Dutra

O medo no mercado de trabalho também foi mencionado por Maria, que contou a história de uma professora em São Paulo, demitida da escola em que trabalhava por causa da orientação sexual. Ela citou o conceito de passabilidade, que pode ocorrer quando uma pessoa transexual é lida pela sociedade como se fosse cisgênera, por exemplo, e como isso pode ser perigoso para uma pessoa LGBT+.

- A passabilidade nada mais é do que você se tornar invisível em alguns contextos. Mas quando você está invisível, você está silenciado. Você está deixando uma parte da sua vida de fora e calculando milimetricamente o que pode ser dito, ou não. O que vai acontecer se neste trabalho, com essas crianças, as pessoas souberem que a professora é sapatão? Eu vou ser demitida? Cair no grupo do WhatsApp da escola? É por isso que eu venho aqui falar de resistência com vocês, porque dá medo.

Maria revelou que as pessoas bissexuais são, dentre as sexualidades, as que mais se suicidam, desenvolvem transtornos alimentares, se automutilam e se isolam. Isso ocorre porque, segundo ela, a sociedade normativa enxerga essas pessoas como sujas e, dentro da comunidade LGBT+, é difícil encontrar pertencimento. A doutoranda disse que é impossível combater o fascismo de forma isolada e comentou sobre como se identifica quando questionada sobre a bissexualidade.

- Eu sou bissexual e sou sapatão porque, quando eu tinha 11 anos de idade, as crianças da escola seguiam atrás de mim gritando Maria Sapatão. Quando eu namorava uma garota, tacaram um negócio de guaraná na minha cabeça no meio da rua e nos xingaram. Se é sobre mim na hora da violência, é sobre mim na hora do orgulho, e eu tenho muito orgulho de ser sapatão.

A resistência da população transexual e travesti no Brasil foi o tema da fala de Wescla Vasconcelos. Foto: Amanda Dutra

Wescla afirmou que o Brasil é consumido por uma política fascista que sempre existiu, mas que agora está mais aguda. Para a ativista, o conceito de vulnerabilidade social foi criado com a intenção de inserir pessoas no projeto de negócio, de controle e de poder do Estado. A permanência dessas desigualdades e a implementação da necropolítica, comentou, são os fatores que permitem que o governo se mantenha no poder.

- O Estado do Rio de Janeiro matou mais travestis e transexuais do que outras regiões do nosso país em 2017 e 2018. Esses crimes não foram fatalidades, foram crimes de ódio. As travestis e transexuais do Brasil são perseguidas, estranguladas, têm os corpos cortados aos pedaços, e o Estado observa e sustenta essa política de ódio.

Para Wescla, o padrão cisgênero, branco e heterossexual ainda é dominante na sociedade, mas ela acredita em um enfraquecimento do modelo. A mestranda mencionou Erica Malunguinho, a primeira mulher transexual a ser eleita deputada estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo, como um exemplo de conquista de espaços e de avanços.

A resistência só é possível quando realizada em redes, assinalou Wescla. Ela também disse que o ativismo e encontros em universidades são essenciais para provocar debates e fazer ecoar vozes de pessoas historicamente marginalizadas pelo sistema.

- Esse debate, atravessado por todas as interseccionalidades de raça, de faixa etária, de etnia, de padrão cis e não cis, hétero e não hétero, vem ensinando muito a gente sobre o projeto de sociedade que o Brasil quer, um projeto que não mate as pessoas por serem o que elas são. A revolução tem que ser contra a LGBTfobia, contra o racismo e contra a misoginia porque se não for, ela não é minha revolução.

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