História de uma tolerância precária
19/12/2019 19:15
Juan Pablo Rey

Extinção da favela da Praia do Pinto completa 50 anos e é alvo de debate durante Seminário LEUS

Favela da Praia do Pinto. Foto: Acervo fundação Biblioteca Nacional

Os 50 anos da remoção da favela da Praia do Pinto foi tema de debate do Seminário LEUS, realizado no dia 25 de novembro. O encontro abordou o polêmico incêndio na favela, ocorrido em 1969, e uma pesquisa sobre a Cruzada São Sebastião, local para onde muitos moradores da Praia do Pinto foram deslocados. Na ocasião, também foram lidos relatos feitos por assistentes sociais sobre os moradores da favela.

A Praia do Pinto era uma favela localizada entre os bairros do Leblon e a Lagoa, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Segundo o historiador e professor Mario Brum, da UFF, o local já era conhecido como Praia do Pinto em meados da década de 1870, e sofreu diversas tentativas de remoção ao longo dos anos. Após a tomada do poder pelos militares, em 1964, o processo de erradicação da favela foi intensificado e culminou no controverso incêndio que extinguiu a comunidade, no dia 13 de maio de 1969.

- A Praia do Pinto é um grande cartão de visitas do programa de remoção de favelas, promovido pela ditadura militar e pelo Estado da Guanabara. Era uma das maiores e mais organizadas favelas do Rio de Janeiro, com aproximadamente 30 mil habitantes. Na época da ditadura militar, nos anos 60 e 70, o estigma de favelado foi mobilizado para justificar o fim das favelas – contou Brum.

De acordo com o professor, o processo de remoção dos moradores da Praia do Pinto por parte dos militares começou em março de 1969. Eles eram incentivados a deixar o local para se estabelecerem em conjuntos habitacionais como, por exemplo, a Cruzada São Sebastião, no Leblon. A pesquisadora Maria Gabriela Martins, do Laboratório de Estudos Urbanos e Socioambientais (LEUS) do Departamento de Serviço Social, explicou que existia um tripé na ideia da Cruzada: urbanizar, humanizar e cristianizar.

- Dom Hélder Câmara, grande figura da Igreja Católica, vivia em uma época que a onda era desfavelização. Favela era sinônimo de sujeira, de doenças. O intuito era tirar o estigma e o visual da favela e realocar esses moradores em outros lugares. A grande diferença da Cruzada São Sebastião, é que os moradores foram colocados em lugares perto de onde moravam antes. A Praia do Pinto era na Zona Sul, assim como a Cruzada. Dom Hélder dizia que, para superar a luta de classes, é preciso que o pobre more perto do rico e o rico perto do pobre.

Serviço Social

Durante o período da transição, o serviço social teve um papel central no controle dos ex-moradores da favela. Os habitantes realocados para a Cruzada São Sebastião eram monitorados e fiscalizados. Quem não era fichado pelos assistentes sociais, era chamado de clandestino e obrigado a se retirar das habitações. Josiane do Vale, do LEUS, afirmou que mesmo visitantes dos moradores, por exemplo, deveriam ser registrados.

- Havia preocupação com renda familiar. Na época, existia uma dificuldade para pagar as prestações obrigatórias dos apartamentos, embora não dê para saber ao certo quantas pessoas perderam seus apartamentos por não conseguir pagar. Também havia grande preocupação acerca da higiene, limpeza e organização, o discurso era de incentivar as famílias a manterem a casa limpa. A preocupação era controlar moralmente os residentes a partir do princípio de que os moradores da classe empobrecida não sabiam conviver em condomínio.

O pesquisador Rafael Soares, também do LEUS, lembrou que nas décadas de 1940, 50 e 60, havia uma “tolerância precária” com relação às favelas por parte do Estado. Ele revelou, ainda, que um estudo do Observatório de Remoções, da USP, mostra que o aumento do valor imobiliário dos bairros de São Paulo tem relação, paradoxalmente, com o número de incêndios em favelas nestes mesmos bairros, o que pode trazer uma reflexão do acontecido há 50 anos na favela da Praia do Pinto.

- Eles toleravam, por exemplo, acesso a certos recursos como água, luz, mas o Estado nunca reconhecia de fato esses espaços como parte integrante da cidade. De alguma forma, o que vamos entender como precariedade da favela, esse aspecto precário provisório, não é algo dado por si só. É, também, uma produção social, em que o Estado foi um dos autores centrais na produção dessa precariedade. Manter a precariedade desses espaços era um dos elementos de controle por parte do Estado dessa população.

Depoimentos

Confira abaixo alguns dos relatos de assistentes sociais sobre a condição de vida de pessoas recém transferidas da favela da Praia do Pinto para a Cruzada São Sebastião:

"Apartamento regularmente conservado e em ordem. Pobreza extrema. Dona Maria ganha apenas 50 cruzados novos por mês. Trabalha em casa de família, em Copacabana. Sua filha está estudando e é mãe solteira. Tem uma filha de um rapaz na roça e não sabe se ele quer ou não casar-se. Trata-se de uma pessoa completamente desajustada que em nada colaborava. Ambas, mãe e filha, não se entendem. Seu marido faleceu e só deixou dívidas, de modo que o apartamento foi ficando para trás. Gastou muito com despesas de remédio e enterro. Mesmo assim, essa senhora deseja imensamente pagar o que deve."

"Apartamento em dívida. Dona Luíza falou-nos que já começou a pagar de dois em dois meses. Já passou cinco meses, mas não nos mostrou cartão de pagamento. Apartamento em más condições de higiene, péssima arrumação. Havia uma criança lavando o banheiro e molhava tudo. Procuramos dar algumas noções de higiene. Falamos que a casa ter muita gente é bom, porque cada um arrumando um pouquinho está tudo sempre arrumado e limpinho. Explicamos, ainda, que em lugares limpos e bem conservados há sempre mais saúde e disposição. O garoto ficou olhando muito sério e seu entusiasmo aumentou por ver que seu trabalho estava sendo elogiado."

 

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