"Escutar". Esta é a palavra mais importante para entender a proposta do Papa Francisco com o Sínodo 2021 - 2023: Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão. Com este processo, o Sumo Pontífice pretende ouvir os fiéis católicos de todas as partes do mundo sobre as realidades de cada comunidade quanto à participação dos leigos e à forma de ser Igreja nestes locais. Para isto, o documento preparatório apresenta dez temas a serem debatidos nas paróquias. Dentre eles, o diálogo da Igreja com a sociedade e com outros segmentos cristãos.
As conferências episcopais do mundo inteiro têm até o dia 15 de agosto para enviar ao Vaticano as respostas da consulta feita junto aos fiéis sobre o tema da sinodalidade. Com os resultados obtidos dentro de cada país, a Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos vai elaborar o primeiro instrumento de trabalho em setembro. A reunião do Papa com os prelados será em outubro de 2023.
O Sínodo dos Bispos, apesar de ter sido institucionalizado em 1965 pelo papa Paulo VI, é um mecanismo utilizado desde o tempo de Jesus e da Igreja Primitiva. O diretor do Departamento de Teologia da PUC-Rio, padre Waldecir Gonzaga, destaca algumas passagens bíblicas e episódios da vida da Igreja em que houve reuniões consultivas de diversos fiéis. A principal é a Assembleia de Jerusalém, conhecida como o primeiro concílio da Igreja e narrada no capítulo 15 do livro dos Atos dos Apóstolos. Na ocasião, a comunidade cristã se reuniu para se ouvir e discutir sobre a necessidade ou não de os pagãos convertidos serem circuncidados.
– Tiago toma a palavra depois de escutar Pedro e todo mundo, e ali assume o compromisso de redigir a chamada carta do final do Concílio. Este texto é realmente muito significativo e muito bonito: ‘nós e o Espírito Santo decidimos não exigir nada mais a não ser isso’. O processo decisório de alguma coisa ali já foi sinodal, colegial, foi no diálogo – explica padre Waldecir.
O diretor do Departamento de Teologia ressalta que as contribuições dos fiéis leigos à Igreja colaboram para o equilíbrio entre tradição, magistério e Sagradas Escrituras. Segundo ele, sem esta escuta, os pastores poderiam estar a caminho de uma direção diferente das ovelhas. Ele lembra, ainda, o crescimento de mulheres na ocupação de cargos eclesiásticos e outras funções relacionadas à Igreja, como as professoras de faculdades teológicas em seminários.
Padre Waldecir assinala que este movimento não é uma exclusividade do Papa Francisco. De acordo com ele, o Concílio Vaticano II (1962-1965) deu início a um processo de atualização de aspectos pastorais, com a preservação da doutrina da fé da Igreja. Segundo o religioso, os antecessores de Francisco, desde Paulo VI até Bento XVI, amadureceram os frutos do Concílio, e, agora, o Papa encontra um momento oportuno para esse tipo de consulta por conta dos facilitadores tecnológicos, que permitem uma interação global com rapidez e eficiência.
– Eu acredito que Francisco tem uma ousadia evangélica de dar passos, mas porque o tempo também é oportuno. O momento se faz oportuno porque foi amadurecido. O papa não constrói um caminho novo. Ele encontrou um caminho que já foi asfaltado, e agora ele coloca mais passos para facilitar aos futuros pontífices ou para a Igreja no amanhã.
Sentido de fé
Padre Rodrigo Dias participou da elaboração da síntese arquidiocesana e defendeu, no ano passado, sua dissertação de mestrado sobre o conceito de sensus fidei – sentido de fé – na PUC-Rio. O objeto de estudo dele ajuda a compreender a importância de a Igreja caminhar rumo à sinodalidade e à escuta de cada batizado. Segundo o pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, em Realengo, o conhecimento da fé católica não está relacionado ao estudo de Teologia, mas com a vivência prática da religião por meio dos sacramentos, vida de oração e busca pela santidade. Dessa forma, ouvir os fiéis leigos significa ouvir o Espírito Santo, que também se manifesta por meio deles.
– Todo o Povo de Deus (não só os bispos e o papa) possui uma graça sobrenatural peculiar de perceber um sentido de fé (sensus fidei). Na medida em que nós vamos vivendo o Evangelho e colocando em prática os ensinamentos do Senhor Jesus e da doutrina da Igreja, nós vamos ao longo da História percebendo instintivamente aquilo que corresponde e aquilo que não corresponde à mensagem do Evangelho.
O assessor para as Redes Sociais da Arquidiocese resgata uma expressão utilizada no número 15 do documento preparatório: “cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo”. Para padre Rodrigo, esta frase sintetiza a finalidade do Sumo Pontífice: ouvir a Deus por meio das colocações do povo. Ele frisa que o Sínodo é um mecanismo de escuta, mas a palavra final é do papa. O Santo Padre leva em consideração todas as informações coletadas para tomar suas decisões e escrever o documento final, se julgar necessário.
– Se nós ouvirmos (uns aos outros), nós perceberemos e ouviremos o Espírito Santo. Esta é a dinâmica. Se nós nos ouvirmos de verdade e falarmos daquilo que o Evangelho tem nos enchido o coração, o Espírito Santo vai prevalecer.
Para o padre Rodrigo, apesar de os fiéis não estarem acostumados a participar de uma consulta originada da Santa Sé, os processos sinodais são comuns na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. Ele destaca os conselhos paroquiais e as assembleias vicariais como algumas das instâncias de escuta presentes na cidade. Por outro lado, o sacerdote acredita que a discussão nas igrejas locais e a participação dos leigos não se encerram com as respostas ao questionário. Para o padre, os católicos devem exercer, desde já, a sinodalidade na vida comunitária.
– Nós não estamos “dispensados” porque respondemos o relatório. É tempo de continuarmos discernindo o que aquela pergunta que vai ser entregue lá na frente ao Santo Padre ainda tem a repercutir na vida paroquial. Nós precisamos acompanhar com orações, com reflexões, amadurecendo aquilo que discutimos, falamos, ouvimos, para que nós possamos cada vez mais nos aprofundar na proposta do tema.