Ao completar seis meses de guerra, a Ucrânia registra mais de 7 milhões de refugiados, de acordo com Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). A maioria busca exílio na Europa, mas há os que procuram acolhimento nas Américas, como nos Estados Unidos e no Brasil. Aqui, a Associação Batista de Ação Social de Curitiba (ABASC) foi a primeira entidade a receber refugiados ucranianos no país e tem sido a responsável por fazer a recepção dos estrangeiros antes de os levarem para novos lares.
Desde o começo da guerra, A ABASC já recebeu mais de 80 pessoas e vai apoiar as famílias com tudo que elas precisarem pelo período de um ano. Segundo a diretora executiva da sede, Martha Zimmermann, muitos refugiados chegaram a Curitiba em estado crítico. A ABASC recebeu o apoio de tradutores e médicos voluntários que ajudavam e faziam uma primeira triagem de todos que chegavam. Os longos períodos de migração deixaram as pessoas traumatizadas e com doenças graves. Martha sentiu que houve uma grande diferença entre aqueles que chegaram no começo da guerra dos que desembarcaram com o conflito em andamento por mais tempo. Os grupos que entraram no Brasil entre os dias 11 e 14 de abril passaram por mais traumas.
- Os primeiros refugiados chegaram bem cansados. Eles ficaram uma semana praticamente viajando. Eles tinham poucas malas e estavam assustados, mas não tão abatidos quanto o segundo grupo, acho que viu mais coisas, mais amigos morrendo. Nessa leva, aqueles que tinham a medicação de uso contínuo não haviam tomado há muito tempo. Pessoas com doenças graves também não tinham feito o tratamento adequado como, por exemplo, uma senhora que sofreu um AVC dentro do voo – relata a diretora.
A associação faz parte de um plano organizado por uma entidade internacional, a Global Kingdom Partnership Network (Rede de Parceria do Reino Global), que reúne várias igrejas ao redor do mundo, como a Primeira Igreja Batista de Curitiba. A diretora executiva da ABASC conta que a rede de parceira já havia se organizado para que todas as famílias, os vizinhos, amigos ou frequentadores da mesma Igreja na Ucrânia ficassem juntos.
O missionário ucraniano Vitaliy Arshulik mora no Brasil há quatro anos e tem sido o responsável pelo acolhimento dos refugiados na cidade de Prudentópolis, região central do Paraná. O município abriga a maior quantidade de ucranianos no momento: 27 pessoas de oito famílias. Poucos homens vieram devido ao alistamento obrigatório. Segundo ele, só um jovem de 19 anos chegou à cidade, pois está encarregado de cuidar da mãe que sofreu um AVC. Muitos amigos de Vitaly estão no front da guerra, como seu único irmão, Mikhailov. Ele conta que tem conversado com os maridos das mulheres refugiadas por ligação e eles expressam alívio pela segurança das suas famílias.
- Eu conversei com o marido de uma mulher por ligação e ele está muito tranquilo que a Igreja está cuidando. Se não fosse pela Igreja, acho que seria mais difícil tomar essa decisão para sair, para estar longe (sic). Porque, para os ucranianos, o Brasil é como o fim do mundo, porque todo mundo quer mais perto, para mais fácil voltar de novo para seu país (sic). Como marido, ele falou “olha, muito obrigado pelo aquilo que você está fazendo”. Ele fica mais tranquilo sabendo que a família dele está em segurança - comenta.
Vitaliy Arshulik não tem só apoiado os estrangeiros no âmbito emocional, mas também burocrático. Ele e outros voluntários da região têm procurado trabalhos para os ucranianos, ajudam nas compras de casas e com a documentação, pois a maioria não fala português e nem inglês. O religioso menciona que muitos refugiados hoje têm uma vida melhor do que antes, mesmo com saudades de casa. Eles estão felizes e surpresos com a hospitalidade dos brasileiros.
- Olha, ninguém esperou que o povo brasileiro vai acolher dessa maneira. (sic). Eles estavam morando em alguns apartamentos novos, onde foi o primeiro aluguel, ninguém antes morou, então eles estão bem cuidados aqui, e todo dia ele está falando gratidão. Eles estão bem feliz (sic) - afirma Vitalyi.
A assistente social da ABASC, Adriana Zamboni de Oliveira, e o filho Kauã de Oliveira Belusso são exemplos da hospitalidade no sul do país. Eles se voluntariaram na chácara da PIB, local onde as famílias refugiadas ficaram antes de serem direcionadas para as respectivas casas. Durante o acolhimento, o adolescente virou amigo de outros meninos que estavam abrigados. Segundo a mãe, depois do primeiro dia em que jogaram futebol e conversaram via Google Tradutor, o menino decidiu dar de presente uma blusa do time Athlético Paranaense para o novo amigo, Igor. Com a ajuda de um tradutor ucraniano, o brasileiro escreveu uma dedicatória para ele.
- Quando o Kauã chamou o amigo para dar a camiseta, o olho do Igor encheu de lágrimas e ele ficou sem ação. Todos os presentes se emocionaram e o menino ucraniano pediu para a gente esperar. Nós pensamos que ele ia ao banheiro, ia no quarto, ia fazer alguma coisa, mas ele apareceu com uma camiseta de uma escolinha de futebol da cidade onde ele morava na Ucrânia e atrás dela está o sobrenome da família deles. Foi muito linda essa troca e aí ele também escreveu
Adriana diz que, desde este dia, o filho mantém a amizade com os meninos que conheceu na chácara, e as famílias ficaram amigas. Kauã afirma que, mesmo com problemas de comunicação, consegue manter a amizade com os ucranianos.
- Nesse pouco tempo percebi que o amor ao próximo, o respeito e a amizade ultrapassam qualquer dificuldade de comunicação e de diversidade cultural. Foi uma experiência única que com certeza compartilharei com meus futuros filhos e com os meus amigos. E aprendi uma lição com eles: independente da dificuldade, nunca perca a esperança. Deus sempre tem um plano para nós – observa Kauã.