A escuta para o outro
02/05/2023 17:53
Mauro Machado

Cine PUC organiza mostra para lembrar o 90º aniversário do documentarista Eduardo Coutinho 

Os 90 anos do diretor Eduardo Coutinho, considerado o grande nome do cinema documental brasileiro, serão homenageados com “Os rostos, as vozes e Coutinho”, próximo ciclo do CinePUC em parceria com o Estação Net Gávea. Quatro longa-metragens e dois médias dirigidos pelo cineasta serão exibidos ao longo das terças-feiras de maio, mês de aniversário do diretor. Em meio a inúmeros jogos de cena montados por Coutinho com o  público, obras como Babilônia 2000 e As Canções foram escolhidas para serem exibidas na sala de cinema pelos organizadores do cineclube universitário. 

No Rio de Janeiro, este é o primeiro grupo a celebrar Eduardo Coutinho (1933-2014) nesta efeméride, e a ideia é aproveitar para promover discussões sobre a filmografia do cineasta. Segundo Gabriel Carvalho, um dos organizadores do CinePUC, também foi uma escolha prestigiar filmes menos populares, a exemplo de Santa Marta e Boca de Lixo, que promovam  debates mais diferenciados. 

A vida e a obra de Eduardo Coutinho foi dedicada ao ato de ouvir e contar histórias. Depois do estrondoso sucesso de Cabra Marcado para Morrer, em 1984, filme que levou décadas para ser finalizado em decorrência da ditadura militar, ele passou a se dedicar primordialmente ao trabalho de diretor de cinema. Conforme amadurecia como artista, se aproximava do chamado cinema de entrevista. Nele, o processo de escuta e de criar mundos a partir das narrações e da palavra se fez fundamental para esta concepção documental de Coutinho.

Eduardo Coutinho com Elizabeth Texeira, personagem de Cabra Marcado Para Morrer. Créditos: Wikimedia Commons

Especialista em linguagem documental e imagens de arquivo, a professora Patrícia Machado, do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, considera que esse é o motivo pelo qual a produção de Eduardo Coutinho, embora insubstituível e irreplicável, influenciou tanto a realização de documentários no Brasil.

- A entrevista do Coutinho é muito específica por tratar da relação dele próprio com o entrevistado e do que acontece no presente desse encontro entre os dois. E ele é um dos grandes exemplos de cineastas que dão lugar para fabulação e imaginação a partir do contato com o entrevistado. O real que interessa não é a verdade ou a mentira, mas o que se dá na frente da câmera a partir dessa dinâmica de entrevista  - afirma a pesquisadora.

Diferentemente de outros documentaristas apegados à ideia de verdade, ou mesmo cineastas interessados em dramas explicitamente ficcionalizados, Coutinho moldou sua originalidade ao transitar entre o real e o imaginário. Ele pode até não ter sido o pioneiro desta forma de conceber documentários, mas o fez de modo que o Brasil profundo, esquecido, pudesse ser enxergado aos olhos da sétima arte. Os filmes de Eduardo Coutinho não se restringiam a comentários sobre mazelas sociais, não se portavam como cinema de denúncia, mas se debruçaram sobre as performances de seus personagens. 

Flávio Kactus em entrevista com Eduardo Coutinho no ano de 2005.

Flávio Kactus, professor de Cinema no Departamento de Comunicação da PUC-Rio, teve a oportunidade de entrevistar o documentarista em 2005, para o projeto “Daqui Onde Estou dá pra ver o Brasil”, em que ressaltou a extraordinária capacidade de alteridade do diretor por meio do processo de ver e ouvir o outro. O professor também esteve presente quando, em 2011, o diretor veio à PUC-Rio, em 2011, para a abertura do curso Cinema, Criação e Pensamento para moradores de  favelas. Nesta experiência, Coutinho comentou  sobre a importância de ouvir vozes de diferentes origens e características, na defesa de representatividade e representação. 

- Esse cuidado da escuta é algo que todo artista deve ter, porque não é escutar apenas na entrevista, mas em todo o redor. Olhar e observar em volta, o que  Coutinho fazia como ninguém. Ele adorava conversar com as pessoas, ouvi-las, e isto me marcou quando o entrevistei. Mesmo após a fita de gravação ter terminado, Coutinho continuou conversando por mais meia-hora sem mostrar incômodo algum - relata Kactus.



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