A proibição de manifestações religiosas na Copa do Mundo de 2010
12/05/2010 15:00
Agnes Christian Chaves Faria

Artigo

Após o jogo final da Copa das Confederações, realizada na África do Sul, em junho de 2009, os jogadores da seleção brasileira reuniram-se em um círculo no meio do campo de futebol, e realizaram uma oração, agradecendo a Deus pela vitória além de alguns exibirem camisas com dizeres religiosos. A cena causou polêmica, e levou o diretor da Federação Dinamarquesa de Futebol a formular uma reclamação formal à Fifa, que estuda proibir qualquer manifestação religiosa durante a Copa do Mundo de 2010. Além disso, a Fifa já enviou alerta à CBF (Confederação Brasileira de Futebol) pedindo moderação na atitude dos jogadores mais religiosos, mas indicou que por enquanto não puniria os atletas, já que a manifestação ocorreu após o final do jogo.

A discussão sobre as manifestações religiosas em eventos esportivos vem assumindo ultimamente uma nova dimensão, já que coloca sob debate o alcance da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que prevê em seu artigo XVIII "Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular."

É curioso, entretanto, perceber que, 7 anos antes, a seleção brasileira, na Copa do Mundo de 2002, também realizou uma oração idêntica, também dentro de campo, também após a partida final, na comemoração pela vitória naquela competição. Naquela época, a Fifa declarou que não teria como impedir a equipe que acabara de se sagrar campeã do mundo de "comemorar à sua maneira". Na Copa de 1994, os jogadores também realizaram uma oração dentro de campo, após a vitória – e não houve qualquer manifestação contrária, nem por parte da Fifa, nem de qualquer dirigente ou associação de futebol.

A preocupação da Fifa a respeito de atos de intolerância tornou-se mais evidente a partir da edição dos "Laws of the Game 2008/2009" (de Julho 2008). Até então, a Decisão 1 sobre a Regra 4 dizia apenas que "os jogadores não devem exibir outras camisas que contenham slogans ou propagandas"; a partir de 2008, passou a esclarecer também que "o equipamento compulsório básico não deve ter menção política, religiosa ou pessoal".

Isso mostra que a discussão sobre a legitimidade das manifestações religiosas em eventos esportivos vem assumindo nos últimos anos uma nova dimensão, já que coloca sob debate o alcance da liberdade religiosa como direito fundamental da pessoa humana. O que, há 7 anos, era considerado uma "maneira peculiar de comemoração", hoje é tratado como uma prática que deve ser monitorada e, talvez, punida pelos excessos.

No caso da Europa, parece existir uma forte preocupação com manifestações públicas de fiéis muçulmanos. Por exemplo, o jogador Frank Ribéry: na Copa de 2006, as câmeras mostram-no rezando antes do início da partida, o que não teria maior repercussão, não tivesse Ribéry se convertido ao Islã. Há quem interprete o gesto religioso como portador de um significado político ou ideológico que não possui. O fato de manifestar publicamente a fé religiosa não faz do fiel instrumento de propaganda senão da própria fé, e nada além disso.

No caso da oração dos jogadores brasileiros, o que parece ter chamado a atenção não foi o ardor dos jogadores durante a oração, mas sim o fato de estarem vestindo camisetas com dizeres religiosos. Neste caso, os dizeres não estavam em português (língua nacional do Brasil), mas em inglês ("I belong to Jesus", "I Love Jesus", etc), uma língua compreendida mundialmente – e isso, então, tornaria evidente o propósito de propaganda.

É necessário compreender os fatores que levaram a essa polêmica, e tentar estabelecer os limites que separam o legítimo exercício da liberdade de expressão religiosa em competições esportivas dos eventuais abusos, indicando elementos que possam subsidiar uma orientação capaz de fortalecer a tolerância religiosa nos eventos esportivos.

 

Agnes Christian Chaves Faria
Coordenadora do grupo de Estudos de DH e Liberdade Religiosa - NDH

 

Edição 228

 

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