Educar para a Justiça: um olhar sobre a Pedagogia Inaciana
24/10/2017 11:29
Alessandra Cruz, professora do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio.

A pedagogia inaciana é tema de artigo da professora Alessandra Cruz, do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio

"Não é ideal dos nossos colégios produzir estes pequenos monstros acadêmicos, desumanizados e introvertidos; nem mesmo o devoto crente alérgico ao mundo em que vive e incapaz de vibração". A frase do padre Pedro Arrupe, Superior Geral da Companhia de Jesus entre 1965 e 1983, resume o projeto pedagógico que vem norteando a educação nos colégios e faculdades jesuítas. Baseada nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, a Pedagogia Inaciana reúne reflexões, orientações e práticas que buscam a formação integral dos alunos. Uma formação que vai além do acúmulo de informações, da aquisição de competências técnicas ou do preparo para uma profissão, mas que é antes de tudo uma chamada para a ação, para a formação de homens e mulheres dispostos a servir e ser agentes de mudança no mundo.

O tema da pedagogia inaciana norteou recentemente as discussões da XII Jornada de Docentes Católicos do Ensino Superior. Conduzido pelo padre Luiz Fernando Klein, SJ, o encontro reuniu, no Centro Loyola de Fé e Cultura PUC-Rio, professores de diferentes áreas das ciências humanas e sociais às exatas, que lecionam em quatro universidades cariocas. Na ocasião, padre Klein destacou que os ideais presentes na pedagogia inaciana desafiam professores e alunos: "Numa visão pragmática, imediatista, é difícil sustentar todos esses ideais, em meio à competição turbulenta que nós temos vivido no mundo contemporâneo". Segundo ele, um passo fundamental é voltar o olhar para o próprio aluno com quem o professor irá relacionar-se e considerá-lo em todas as suas características.

Ao traçar o histórico de desenvolvimento da Pedagogia Inaciana, padre Klein recordou a atuação dos superiores que sucederam padre Arrupe. Peter-Hans Kolvenbach, Superior Geral de 1983 a 2008, confirmou o compromisso com uma educação integral capaz de formar “homens e mulheres competentes, conscientes e comprometidos na compaixão”. Pontos que ficaram conhecidos como os quatro “cês” da Pedagogia Inaciana. Depois dele, o padre Adolfo Nicolás, que esteve à frente da Companhia de Jesus de 2008 até o ano passado, também destacou o papel de “levar os aprendizes ao domínio de si mesmos, à iniciativa, à integridade, à exatidão, à profundidade. Rejeitar formas de pensar fáceis, superficiais, despersonalizadas, modismos, indignas do ser humano”.

De acordo com o documento Características da Educação da Companhia de Jesus, a Pedagogia Inaciana considera o aluno um ser humano criado à imagem e semelhança de Deus, por quem é pessoalmente conhecido e amado; o lugar onde Deus especialmente se revela; um ser chamado à liberdade para dar-se e buscar a felicidade, entre outras características. O texto também destaca que é preciso valorizar as capacidades deste aluno e elenca algumas delas, como a de raciocinar reflexiva, lógica e criativamente; de conhecer e avaliar criticamente a realidade; e, por fim, a de encontrar alegria em aprender.

Neste ponto vale ressaltar que a didática do método inaciano prevê um processo personalizador de pesquisa e construção do conhecimento. Como aponta outro documento importante sobre o tema, o livro Pedagogia Inaciana uma Proposta Prática, o educando “é o primeiro interessado no seu processo de formação, artífice da construção de si mesmo e promotor da transformação da realidade”.

Quando fala em educação integral, a pedagogia inaciana considera todas as dimensões da pessoa e também as instâncias da sociedade que podem intervir no seu desenvolvimento. E se a meta é o desenvolvimento integral do aluno, o diferencial são os valores – amor, justiça, paz, honestidade, solidariedade, sobriedade, contemplação, gratuidade, respeito e compaixão – Assim a orientação central do processo formativo jesuítico é educar para a justiça: “Os pobres formam o contexto de uma educação jesuítica” enfatizou padre Klein, destacando que a opção pelos pobres está presente em todas as instituições educacionais da Companhia espalhadas pelo mundo.

Exemplos desta opção pelos pobres podem ser encontrados em vários departamentos da PUC-Rio. No Centro Loyola, desde 2011, é realizado o curso Cinema, Criação e Pensamento, para moradores de favelas cariocas. O curso é oferecido gratuitamente pelo Núcleo de Comunicação Comunitária do Comunicar PUC-Rio e ministrado por professores do Departamento de Comunicação Social da Universidade. Em três semestres de aulas, os alunos aprendem sobre as diferentes escolas de cinema, discutem as características da narrativa audiovisual, produzem filmes e compartilham suas experiências. A proposta do curso é ir além do conhecimento técnico da produção de um filme, mas provocar um olhar mais atento e questionador sobre a própria realidade, promover a autoestima e dar visibilidade a temas que não estão representados no circuito comercial de cinema.

Esses objetivos ajudam a exemplificar também o que é o Projeto Pedagógico Inaciano,           ensino jesuíticas e que propõe romper com o modelo de educação utilitarista, focado na transmissão de conhecimento do professor para o aluno, e passar para um modo de atuar dentro e fora da sala de aula que tem como pontos centrais a experiência e reflexão, mas também passa pela contextualização, pela ação e pela avaliação.

A fase de contextualização, lembra que a experiência não se dá no vazio e sim no contexto. Professores e educandos são convidados a observar os fatores que influenciam a aprendizagem e refletir sobre o que sentem, o que pensam, o que sabem e as ideias que têm.  A contextualização leva em conta as pessoas e o que elas pensam e sentem, nas palavras de padre Klein “motiva, direciona, adapta a aprendizagem, é uma prontidão para um trabalho produtivo e é uma tarefa do educador e do aprendiz”. A partir daí é hora de vivenciar a experiência. Esta é uma etapa que resgata muito dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, é um dar-se conta de si mesmo e perceber como estou me relacionando com cada assunto: isso me entusiasma? Aborrece? Agrada? Inquieta? É um dar-se conta de como acontece a construção do conhecimento que não tinha espaço nas instituições de ensino. “Se é uma pedagogia que prevê a ação, se eu não estiver afetado, motivado para esta ação, eu não vou fazer nada. A informação sem afeto não move à ação”, assinala padre Klein.

Os outros três pontos são a reflexão, na qual se estimula que o aprendiz busque sentido naquilo que está aprendendo e entenda como aquele conteúdo pode relacionar-se com a sua vida. Em seguida a ação: o que posso fazer com o que aprendi? E, por fim, a avaliação, não pelo resultado em si, mas pelo entendimento de como foi o processo.

Com esses passos, o que se pretende é fomentar uma formação de valores na fé e na justiça. Nas palavras de padre Arrupe, mais do que transmitir informações e conhecimentos técnicos, a proposta inaciana é “Formar homens e mulheres para os outros”.

 

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