A arte de encantar multidões pelo rádio
30/10/2015 15:39
Rayanderson Guerra / Foto: Reprodução

 O Cantor das Multidões: O suburbano Orlando Garcia da Silva completaria 100 anos em outubro. 

Negro, manco e com roupas surradas. O suburbano Orlando Garcia da Silva era o típico antiartista, no entanto, a beleza da voz e o fraseado singular nas interpretações fizeram do jovem de Engenho de Dentro o Cantor das Multidões. “O riso, a fé, a dor”, o verso da música Rosa retrata a trajetória de sucesso e decadência pessoal, e profissional, do cantor. Em outubro de 2015, Orlando Silva completaria 100 anos, mas complicações de um acidente cardiovascular, em 1978, pôs fim à história de sucesso do artista que revolucionou a música popular brasileira nos Anos de Ouro do Rádio.

Filho de Dona Balbina e José Celestino, Orlando começou a cantar nas rádios cariocas, aos 17 anos, motivado pelo irmão Edmundo Silva. O sucesso chegou cedo ao menino do subúrbio, mas não sem dificuldades. Orlando trabalhou como entregador de marmitas, operário, sapateiro e estafeta da Western, office boy. Aos 16 anos, sofreu um acidente de bonde: ao pular, uma das rodas passou sobre o pé esquerdo.

Em 23 de junho de 1934, aos 18 anos, o cantor estreou na Rádio Cajuti (Tijuca ao contrário), no Rio de Janeiro. Depois de testes malsucedidos, em outras rádios, o jovem procurou a Cajuti para se apresentar aos diretores. O primeiro contato foi com o compositor Alberto de Castro Simões da Silva, o Bororó.

Orlando conheceu Francisco Alves por intermédio de Bororó e, depois de uma breve conversa dentro de um carro na Avenida Chile, no Centro do Rio, o Rei da Voz apadrinhou o garoto na Cajuti. Foi o início do sucesso. Segundo o jornalista Jonas Vieira, escritor do livro Orlando Silva, o cantor das multidões, de 1985, havia uma competição saudável por público entre os cantores da época, mas a relação era respeitosa.

– Chico (Francisco Alves) ficou impressionado com a voz de Orlando e o convidou para cantar em um programa que iria estrear no dia 23 de junho, na Rádio Cajuti. A relação entre os dois foi excelente, afinal, o Chico deu a chance de estrear no rádio ao Orlando, mas logo ele se tornaria mais popular que o padrinho. A concorrência pelo público era natural. Os cantores da época eram: Francisco Alves, Silvio Caldas, Carlos Galhardo e o Orlando Silva, esses eram os quatro grandes. Isso gerava uma concorrência, porque as grandes emissoras de rádio no Rio que disputavam a audiência eram a Rádio Nacional, a Mayrink Veiga e a Tupi.

Em 12 de setembro de 1936 era inaugurada, no Rio de Janeiro, a Rádio Nacional. A consagração de Orlando foi instantânea. O já não tão garoto do Engenho estreou na Nacional e se tornou conhecido pelo grande público. O estopim: a música Lábios que Beijei de J. Cascata e Leonel Azevedo, em 1936. No ano seguinte, 1937, Orlando gravaria seus maiores sucessos: Rosa e Carinhoso, de Pixinguinha. Para a jornalista e professora Rose Esquenazi, do Departamento de Comunicação Social da Universidade, para que um artista fizesse sucesso no Brasil ele deveria se apresentar nas rádios – veículo de comunicação de massa da época. Com Orlando não foi diferente.

– A rádio foi essencial para o sucesso de Orlando. O veículo era o grande divulgador da música popular brasileira. Orlando também gravou vários discos, e participou de alguns filmes. A Revista do Rádio também influenciou nesse culto ao rádio. Não há dúvidas de que o público tinha bom gosto e as pessoas que escalavam Orlando nas emissoras sabiam da importância de ter ele no ar. Os biógrafos dizem que ele tinha um timbre cristalino e soberbo, tanto que logo ele superou Francisco Alves.

A primeira apresentação fora do estado fluminense ocorreu na inauguração da Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte, mas a viagem que o consagrou foi entre janeiro e fevereiro de 1938 a São Paulo. A excursão paulistana rendeu-lhe o slogan de O Cantor das Multidões. Segundo o pesquisador de MPB Ricardo Cravo Albin, a carreira artística de Orlando Silva pode ser dividida em duas etapas: uma de crescimento e a outra de declínio.

– Na primeira etapa Orlando se destacava pela magia da voz. A magia não se explica, mas o fraseado, a espontaneidade, a naturalidade da emissão e a contenção absoluta, de agudos e graves, formam um contexto de unidade superior. Na segunda fase, ele teve problemas com tóxico, cocaína, retirou-se da vida artística, entrou em decadência, teve um amor extremamente trágico com a radioatriz Zezé Fonseca, que se suicidou. Orlando só voltaria a cantar nos anos 1950.

Mais Recentes
Uma locadora em tempos de streaming
Com mais de 25 mil filmes e atendimento único, estabelecimento em Copacabana é um pedacinho da memória da cultura audiovisual do Rio de Janeiro
Valorização do cinema universitário na pandemia
Alunos da PUC-Rio participam da Mostra Outro Rio, uma exposição de curtas-metragens produzidos no Rio de Janeiro
Dez anos sem ele
Durante a vida, José Saramago criou um estilo próprio de escrita, de inovação na sintática e na pontuação