Peça ilumina reflexões com ideias de Dom Hélder Câmara
22/07/2016 17:46
Carolina Ernst

Em O avesso do claustro, inquietações atuais dialogam com pensamentos do arcebispo morto em 1999, notabilizado pela defesa humanitária e a militância contra a violência

O avesso do claustro. Foto: Divulgação/Alécio César

Em meio às crises política, econômica e moral que assombram o país e o mundo, a Cia. do Tijolo propõe uma reflexão conduzida por ideias e passagens da vida do bispo progressista dom Hélder Câmara. (1909-1999) Em cartaz até o próximo domingo, no Sesc Ginástico, no Rio, a peça O avesso do claustro se desenvolve a partir do legado do ex-arcebispo emérito de Recife e Olinda. Grande defensor dos direitos humanos e militante contra o autoritarismo durante o regime militar no Brasil, Dom Hélder denunciou, na década de 1970, os crimes de tortura em presos políticos no Brasil. Contribuiu também para a construção do ideário da igreja progressista engajada nos movimentos sociais. Por conta da atuação social e política, foi perseguido sob a acusação de ser comunista. Apelidado de Bispo Vermelho, numa alusão ao alinhamento à esquerda, tornou-se o único brasileiro indicado quatro vezes para o Prêmio Nobel da Paz. Ao dialogar com os atributos de Dom Hélder, a trama dirigida por Rodrigo Mercadante e Dinho Lima Flor busca discutir os rumos atuais das nossas cidades, da nossa sociedade, do nosso mundo atual.

A ponte entre as histórias do religioso e a atualidade sob a sombra da intransigência - materializada, por exemplo, na pior crise humanitária desde o fim da Segunda Guerra - é pavimentada por três personagens, que não atendem por nomes: um jornalista em visita ao Recife, uma moradora de São Paulo a caminhar pela cidade e uma cozinheira acostumada a frequentar o Cristo Redentor. Eles interagem com um Dom Hélder atemporal, indagam-lhe sobre questões e aflições urbanas.

– Esses personagens poderiam ser qualquer brasileiro. São personagens do mundo  –  explica Dinho, que interpreta Dom Hélder.

Já Rodrigo Mercadante vive o jornalista que, na visita ao Recife, procura saber mais sobre Dom Hélder. Lilian de Lima interpreta uma agoniada moradora de São Paulo que, durante caminhadas noturnas, questiona-se sobre a exclusão ali à espreita. Karen Menatti faz o papel da cozinheira moradora da Cruzada São Sebastião, no Rio. Além de preparar sopas, questiona a existência de Deus. Os três dialogam com Dom Hélder, em busca de esclarecimentos e esperanças às inseguranças vivenciadas nas cidades onde moram.

– O que nós fizemos foi trazer o espetáculo para os dias de hoje. Foram sete meses para montar uma peça que se aproximasse ao público e trouxesse uma reflexão sobre o país. Em todas as cidades retratadas, Dom Hélder fez intervenções significativas  observa o diretor-ator.

O avesso do claustro. Foto: Divulgação

Dinho ressalta ainda o percurso até chegar ao produto final que contemplasse as expectativas do público, o propósito reflexivo e o "retrato fiel" à figura de Dom Hélder, “um dos mais importantes personagens brasileiros do século XX”:

A montagem contou com um longo processo de pesquisa. Conversamos com religiosos, intelectuais e pensadores. Além disso, estudamos um grande acervo. Ele era um arcebispo que pensava como um grande poeta. Estava à frente de seu tempo. Sempre teve uma relação muito forte com os marginalizados.

Produzida pela EmCartaz Empreendimentos Culturais, a peça conta ainda com trilha sonora original composta por Caique Botkay e Jonathan Silva e uma banda que a executa ao vivo nas apresentações. Criam um ambiente integrado à revisitação aos poemas e pensamentos de uma das figuras mais representativas da História recente do Brasil. Independentemente de credos e posicionamentos políticos ou ideológicos, relembrá-los pode render mesmo reflexões proveitosas à construção de um mundo mais igualitário, justo, inclusivo, transigente, humanitário.

Antes de ganhar notabilidade por denunciar internacionalmente, nos anos 1970, crimes do tortura, Dom Hélder já empregava a lucidez e a habilidade diplomática para dirimir, longe dos holofotes, perseguições políticas ao longo da ditatura civil-militar instalada no país. A pregação da não-violência e a militância contra os excessos do regime de exceção renderam-lhe quatro indicações ao Nobel da Paz.

Os diálogos com as ideias e os exemplos legados por Dom Hélder seguem até o próximo domingo no teatro Sesc Ginástico do Rio (Av. Graça Aranha, 187, Centro). Hoje e amanhã, a sessão começa às 19h; e, no domingo, às 19h. (Inteira: R$20; meia: R$10; e associados Sesc pagam R$ 5).

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