Baía de Guanabara: os desafios pós-olímpicos
02/09/2016 15:48
Cecília Bueno e Mariana Casagrande

Preocupação com legado ambiental da cidade deve persistir após do fim dos Jogos, alertam especialistas

Baía de Guanabara. Foto: Agência Brasil


Como cantou Caetano Veloso em O estrangeiro, “era ao mesmo tempo bela e banguela a Guanabara”. Símbolo de beleza do Rio, recebe, por segundo, cerca de 14 mil litros de esgoto não tratado. E o brasileiro que ficou “cego de tanto vê-la, te tanto tê-la estrela”, precisa assumi-la em todas suas responsabilidades após o fim da grande festa.

O projeto de despoluição da Baía de Guanabara seria o grande legado ambiental das Olímpiadas no Rio. O plano de coleta e tratamento de 80% do esgoto lançado em suas águas no entanto foi adiado para 2030, e a saída encontrada para os Jogos foi a instalação de ecobarreiras e ecobarcos para refrear o acúmulo de resíduos flutuantes. A condição das águas cariocas não atrapalhou a realização das provas – a maioria dos velejadores não teve problemas e, inclusive, elogiou a condição das águas – mas se tornou alvo de críticas dos principais jornais internacionais às vésperas dos Jogos. O americano The New York Times publicou um recado para atletas que competiriam ali: “Mantenham suas bocas fechadas”.

Enquanto o temor dos atletas parece ter ficado para trás, especialistas se preocupam com a condição da Baía para além das Olímpiadas. Superintendente do Instituto Baía de Guanabara, Adauri Souza acredita que a grande missão no Pós-Olímpico será de fazer com que a população assuma a Baía como sua novamente:

– O legado vai ser negativo não pela poluição em si, mas pela sensação que vai deixar na população de que a Baía não tem solução ou de que não temos competência para despolui-la.

Para o jornalista Emanuel Alencar, que lançou em junho o livro Baía de Guanabara: descaso e resistência, as Olimpíadas foram uma perda de oportunidade para o governo brasileiro se mostrar mais transparente:

– A meta de 80% de despoluição já nasceu com um terrível erro de comunicação. A partir do momento em que uma porcentagem é tomada como compromisso, deve estar claro do que se fala: 80% do lixo flutuante, do volume de esgoto gerado na bacia, 80% de quê? – critica Alencar, observando que a despoluição quase total da Baía seria impossível em tão curto prazo (sete anos): – Abandonaram, então, a meta, alegando que 49% das águas estariam limpas, mas sabemos que a verdade está em torno de 30% de despoluição e que para atingir o objetivo inicial seriam necessários R$ 8 bilhões, três vezes mais.

O desafio futuro não deve se limitar à questão da Baía, considerando todo o ecossistema carioca. O jornalista ambiental André Trigueiro, professor da PUC-Rio, lembra que, com tanto desgaste público, a questão ecológico ficou longe de ser maior preocupação da Rio 2016. Apenas um dos projetos propostos na candidatura foi realizado inteiramente: o uso de 5% de combustível biodiesel em todos os ônibus da família olímpica. Os projetos de despoluição das Lagoas da Barra-Jacarepaguá e de rios, córregos e praias cariocas não avançaram, e o plano de reflorestamento da Floresta da Tijuca, a maior floresta urbana do mundo, não foi concluído: apenas um terço das 24 milhões de árvores prometidas foram plantadas.

Apesar do balanço negativo, sustentabilidade foi o tema central da cerimônia de abertura. A leitura do poema A flor e a náusea, de Carlos Drummond de Andrade, por Fernanda Montenegro na cerimônia de abertura indicava o reflorestamento como uma iniciativa para minimizar a crise climática atual. Como legado do evento, nasceu a Floresta dos Atletas: os 12 mil atletas presentes receberam uma semente a ser plantada no lugar em que hoje está alojado o Parque Radical, no Complexo Esportivo de Deodoro.

O descumprimento das metas olímpicas e o “prejuízo moral” contribuíram para criação espaços sem propósito na cidade, na opinião de Trigueiro:

– A Zona Portuária do Rio sofreu grandes reformas, como a demolição da Perimetral, a construção do Museu de Arte do Rio (MAR), do Museu do Amanhã, a instalação do VLT, entre outras mudanças que só fazem sentido quando essa revitalização da área próxima ao espelho d’água gera algum prazer. No entanto, o patrimônio físico foi elevado sem avançar no capital natural, deixando esgoto ao redor – critica o especialista, apresentador do programa Cidades e soluções, da Globonews.

Para ele, que esteve na cobertura das Olimpíadas de 2000 e viu as melhorias geradas em torno da Baía de Sydney, como investimentos em lanchonetes e restaurantes, a cidade do Rio, conhecida internacionalmente pelas belezas naturais, poderia ter ainda mais lucros se cultivasse ações sustentáveis:

– A economia dos municípios ao redor da Baía poderia ser muito beneficiada com a despoluição. Possibilitando a pesca, facilitando turismo com passeios de barco e lancha e incentivando o comércio local com venda e aluguel de produtos básicos como picolé, cadeira de praia, bicicletas, a população carente seria beneficiada – explicou o professor, que exemplificou essa ideia com o caso do Piscinão de Ramos, área degradada do Rio que passou por drenagem das águas e passou a receber investimentos, gerando emprego, renda, arrecadação e riqueza para o Estado.

Apesar do evidente diagnóstico de contaminação das águas por esgoto e por rejeitos da atividade industrial e portuária das cidades da bacia, os programas de despoluição esbarram em questões sociais e políticas:

­– O problema da Guanabara não está no espelho d’água, mas na ausência de saneamento das cidades de sua bacia hidrográfica. Essas cidades são esquecidas pelo poder público – lembra Adauri.

Os 16 municípios da bacia hidrográfica da Baía enfrentam problemas de coleta de lixo e esgoto doméstico. Segundo dados do Instituto Trata Brasil, na capital fluminense, 78% do esgoto é coletado e somente 50% é tratado. Em outros munícipios os números diminuem: Belford Roxo tem 41% e 24%, respectivamente; Duque de Caxias, 44% e 10%; São Gonçalo, 39% e 10%; São João de Meriti e Nova Iguaçu não recebem qualquer tratamento de esgoto, situação que contrasta com os números de Niterói, em que 93% do esgoto coletado é tratado. Carreira explica que resolver o problema da Baía passa pela melhoria da ocupação urbana desses municípios e cita o trabalho do Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara. Financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pretende implantar sistemas de esgotamento sanitário através da promoção de políticas públicas municipais.

Outro problema em relação à Baía está relacionado à sua gestão. Em maio, nasceu a primeira proposta de modelo de governança da Baía. O Centro Integrado de Gestão da Baía de Guanabara (CIG) propõe trazer transparência, participação e tecnologia no processo de despoluição da “boca banguela”, como a definiu o antropólogo Claude Lévi-Strauss. Fernando Carreira é representante da PUC-Rio nesse consórcio de universidades. Ele explica que as universidades vão funcionar como um conselho consultivo do Estado no processo de despoluição da Baía de Guanabara.

Segundo Carreira, o plano que foi proposto para as Olímpiadas não avançou por falta de governança, e insiste na necessidade de se criar um plano de governança de forma a possibilitar maior interação entre governo, universidades e a sociedade civil:

– Existem muitos atores envolvidos nessa ação (de despoluição) e fica difícil trabalhar em um mesmo sentido. Há sobreposição de ações do governo federal, estadual, municipal, de órgãos ambientais federais e estaduais. Ainda tem as associações de moradores, secretarias de meio ambiente dos municípios, representantes do Inea (Instituto Estadual do Ambiente), representantes das universidades: cada um com uma demanda diferente.

Adauri salienta que, para que a governança tenha sucesso, é preciso traçar metas de curto, médio e longo para recuperação: "Não adiantar colocar dinheiro e ter ações técnicas se não houver continuidade nos projetos".

Sua fala encontra resguardo na de Carreira, que reforça a necessidade de se ter consciência de que essas ações são um projeto de Estado e não de um só governo. O convênio deve ser assinado até o final do ano. Trigueiro tem esperança nesse projeto:

– Estou frustrado com os resultados das Olimpíadas, mas esperançoso. O destino do Rio é ter a Baía limpa, não tenho dúvida.

Foto: Cecília Bueno

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