Cinco décadas de PUC pelas lentes de Antônio Albuquerque
04/10/2016 19:33
Gabriela de Vicq

Fotógrafo, que completa bodas de ouro com a Universidade homenageado com mostra retrospectiva, é lembrado por colegas pela generosidade.

Eleições para o DCE nos Pilotis do Edifício da Amizade, em 1978. Registro de Antônio Albuquerque

Desde 1966, um par de olhos curiosos vem capturando os dias que se passam na universidade. Memória em imagens: a PUC-Rio nas fotografias de Antônio Albuquerque, organizada pelo Núcleo de Memória da PUC-Rio, e que pode ser apreciada a partir desta partir desta terça-feira (4) nos Pilotis da PUC-Rio, remete a uma máquina do tempo. Permite uma viagem por cinco décadas da universidade pelas lentes de Antônio Albuquerque, 68 anos, que completa 50 anos de trabalho e dedicação à instituição, criada em 1940.

 

– Dizem que a fotografia para no tempo. Eu acho que não, acho que, a partir daquela imagem, as pessoas podem reviver aquele momento. Na expressão das pessoas, em como elas se apresentam, se vestem, o cabelo delas... A emoção do registro da fotografia é essa, poder criar a imagem do que foi uma época. A memória do comportamento de uma sociedade e de uma cultura – afirma Antônio, que com o primeiro salário recebido na PUC comprou sua primeira máquina, uma Kodak Rio 400, lançamento comemorativo do quarto centenário da cidade.

 

A homenagem do Núcleo de Memória, com apoios da Reitoria, da Vice-Reitoria Acadêmica e da Vice-Reitoria Comunitária, é mais do que oportuna, afirma o professor Augusto Sampaio, que ressalta a sensibilidade de Antonio como profissional: “Para a PUC, ele é referência de um funcionário exemplar, pela postura, pelo trabalho e pela eficiência”.

 

O registro profissional, aos 17 anos, como auxiliar da biblioteca. Reprodução 

 

Nascido em Pernambuco, Antônio Albuquerque veio tentar a vida no Rio aos 17 anos, se abrigando na casa de um tio. Começou a trabalhar na PUC como auxiliar de biblioteca, fazendo trabalhos administrativos e atendendo alunos. Dois anos depois, passou a morar na Vila dos Diretórios, com outros funcionários: a Casa 9, hoje ocupada pelo Serviço de Medicina do Trabalho, foi seu lar por cinco anos. Desde então, passou por diversas áreas da PUC, como os departamentos de Letras e Comunicação, a Vice-Reitoria Comunitária, na Coordenação de Atividades Comunitárias e Culturais (CACC) e o Núcleo de Memória, em funções igualmente diversas – dando suporte técnico na revelação fotográfica, na projeção de slides, gravação de fitas de vídeo, e zelando pelas câmeras de segurança do parqueamento.

 

Por todos estes anos, Antônio sempre teve o hábito de fotografar os acontecimentos do campus, mesmo que não fosse sua função oficial. Frequentou como ouvinte um curso de Fotografia e Jornalismo do Departamento de Comunicação.

 

Foto: Gabriel Molon 

 

Graças a seu acervo, reunido e catalogado no Núcleo de Memória da PUC-Rio, onde hoje atua, grande parte da história da PUC está preservada. A ideia da mostra surgiu da coincidência dos 50 anos de Antônio na universidade e dos 10 anos do Núcleo de Memória, que hospeda a coleção da qual foram selecionadas 30 imagens.

 

– Quando começamos a pesquisar os acervos da universidade, encontrávamos muitas fotografias de Antônio Albuquerque, e fomos atrás dele. Foi amor à primeira vista. Desde então constituímos nosso acervo, e uma das coleções de que mais nos orgulhamos é a do Antônio, que ele vem construindo há 50 anos. Esta exposição é o resultado desse encontro, e do trabalho de uma pessoa que sempre teve a preocupação de registrar, em belas imagens, o cotidiano, a vida comunitária e profissional de todos aqui, fazendo com que esse cotidiano seja mais belo – destaca a coordenadora de Pesquisa do Núcleo de Memória, Silvia Ilg Byington, uma das curadoras da exposição, ao lado do professor de Fotojornalismo Weiler Finamore Filho, responsável pelo Acervo Fotográfico do Projeto Comunicar/Núcleo de Memória, e do pesquisador do Núcleo Clóvis Gorgônio.

 

Os curadores Silvia Ilg Byington e Weiler Filho, Antônio e Padre Josafá na inauguração. Foto de Gabriel Molon

 

O interesse por capturar imagens apareceu desde cedo na vida do fotógrafo. Seu pai, que fez Escola de Belas Artes, sempre fotografou e proporcionou aos filhos o contato com esse meio. Antônio, entretanto, só começou a clicar quando, com a morte do pai, herdou uma câmera Olbia, até que pôde comprar a sua Kodak.

 

Inicialmente, ele fotografava a pedidos tudo o que acontecia, porque sabiam que ele era um fotógrafo. E ele se permitia possibilidades mais amplas do que só o restrito a um fato. Fotografava os detalhes, os espaços, as pessoas, fazendo uma fotografia com o olhar distinto do clichê e, sempre que possível, uma composição mais poética. Imprimia em cada registro um olhar que acabou se tornando uma linguagem do universo PUC. É como se Antônio fosse o único a ter essa capacidade de abranger, além do momento, uma essência da identidade PUC na narrativa que cada foto dele construiu. E é isso que esta exposição mostra. O que ele fez foi criar uma narrativa ao longo dos anos, uma sequência de imagens que representam a instituição de forma muito particular e peculiar – analisa Weiler, que se considera um discípulo do colega: “Antônio é de uma doçura, de uma capacidade de integração, de uma serenidade... Tinha mesmo que ser um grande mestre”.

 

Foto de Gabriel Molon

 

A forma vívida com que Antônio fala de técnicas e recursos fotográficos, gesticulando e com os olhos brilhando, ajuda a entender sua paixão. Com vestígios do sotaque nordestino, explica saudoso o processo de revelação das imagens e confessa as dificuldades que enfrentou ao abandonar a câmera analógica.

 

– Registrar esses eventos nas décadas passadas era muito emocionante, porque o processo fotográfico era bem diferente e seguia um cerimonial e uma rotina. Você comprava os filmes em bobinas grandes, e, na câmera escura, cortava um pedaço de filme, com 10 ou 15 fotogramas, e colocava numas bobinas. Depois, saía para fotografar. O emocionante era revelar o filme e abrir o tanque para ver as imagens. Fui com certa rejeição para o digital ­– ri Antônio.

 

Sobre os tempos no Departamento de Comunicação, a coordenadora administrativa do Projeto Comunicar, Rita Luquini, que o conhece há 30 anos, lembra:

 

Ele é assim: está sempre introspectivo, fotografando, sempre imaginando o que pode dar um foco, uma imagem. No Comunicar, revelava todas as fotos que os meninos de fotojornalismo faziam. Tinha um laboratório de fotos, e ele coordenava isso. No meio disso tudo ele consertava as máquinas de escrever, ou o que precisasse. Ele tem essa habilidade. E sempre vestiu mesmo a camisa da PUC.

 

“Ele é fora de série”, resume o supervisor de administração da Coordenação de Segurança e Parqueamento (CSC), Ricardo Roxo, contando também que Antônio está sempre à disposição para ajudar as pessoas, seja para consertar óculos, grampeador, transformar fitas em DVD e até consertar carro. “É o nosso McGyver”, brinca, em referência ao personagem meio Professor Pardal da série Profissão: perigo.

 

Por ter colaborado com tantos setores da universidade e estar cotidianamente circulando com sua câmera, seu Antônio é lembrado de norte a sul do campus por sua simplicidade, seu caráter e seu coração bom. A professora Marcia Antabi, editora-executiva da TV PUC, lembra-se de quando Antônio, há 13 anos, foi doar sangue para um parente dela: “Jamais vou me esquecer deste gesto dele”.

 

A secretária da Pós-Graduação do Departamento de Comunicação Social Marise Lira, com 36 anos de PUC, é amiga de Antônio desde antes de terem filhos. Quando começou a trabalhar na universidade, voltavam juntos de ônibus para Jacarepaguá.

 

– Ele vinha para festa de Natal com a filha Bianca, pequenininha, e eu ficava com ela no colo para ele fotografar. Assim como eu vi a Bianca pequenininha, o Antônio viu meus filhos na barriga.

 

Bianca e Luciano, os filhos de Antônio, se formaram na PUC. Hoje secretária executiva da Vice-Reitoria Administrativa, Bianca, de 40 anos, comenta a importância da PUC para o pai e do pai para a PUC:

 

– A vida dele e a da PUC se misturam, né? Ele veio morar aqui muito novo. A PUC foi o primeiro e único emprego dele de carteira assinada. A nossa história de vida se mistura com a da universidade, aqui é o quintal da nossa casa. Ficávamos brincando aqui quando crianças. Ele se casou aqui, eu e meu irmão fomos batizados aqui.

 

As fotos ficarão em exposição nos Pilotis do Edifício da Amizade até 20 de outubro, quando passarão ao Bosque, até 25 de novembro.

 

– Os Pilotis são o grande ponto de encontro da universidade, onde acontecem todas as manifestações possíveis. Está sendo muito interessante ver que as apropriações das imagens são múltiplas – e é isso que faz com que as fotos sejam vivas. Vão sendo ressignificadas a cada nova geração. A foto vai ser multiplicada em significados para cada um, e é esse o barato da arte. A imagem tem o poder de reconstruir a memória. Trazem uma identificação com o tempo atual, mas é o registro de um tempo que passou e podemos reconhecer as diferenças do presente. A memória fala de presente, ela não fala do passado. Ela possibilita a construção de um projeto – justifica a curadora Silvia.

 

Mas os registros de Antônio não se restringem aos acontecimentos públicos ou aos limites geográficos da PUC. Fazia registros sociais de funcionários, como casamentos, festas de aniversário e primeira comunhão. “Esta foto foi ele que fez”, contou Ricardo Roxo mostrando o porta-retrato com a foto da neta sobre sua mesa de trabalho. Antônio registrou o aniversário de 80 anos de sua avó, revelou e emoldurou, de presente ao amigo. Marise também contou com o amigo para preservar antigos registros de celebrações familiares:

 

Antes, ele tirava as fotos e, dias depois, entregava reveladas. Agora, com as novas tecnologias, entrega um pendrive. E todas as nossas festas de família, bodas e aniversários, estavam em VHS. Ele transformou tudo em DVD, fez uma capa linda e deu de presente uma cópia para cada um da família. É de um cuidado incrível, e faz isso porque ele gosta mesmo.

 

Bianca, a filha, destaca duas heranças: o gosto pela fotografia – fez curso de Comunicação e Imagem no CCE, fotografa e trata imagens – e o exemplo humano:

 

– Meu pai sempre foi muito de ajudar as pessoas. Ele até poderia estar numa situação financeira melhor, porque a maioria dos trabalhos ele não cobrava (para amigos próximos) ou só cobrava o custo, um valor simbólico. Nunca foi ambicioso, e eu acho que puxei isso dele. Ele vê mais o lado humano das pessoas do que o lado financeiro.

 

Meio sem jeito, Antonio diz acreditar que a iniciativa é “gratificante para os dois lados”:

 

– Eu acho que engrandece o fato de você colaborar, ser generoso, dentro das necessidades das pessoas. Eu fiz muito isso, não só para meus colegas de trabalho, mas também dentro de sala, com alunos e professores, ajudando com equipamentos, fora do tempo de aula. Acho isso importante, a gente cresce espiritualmente, cresce por dentro. Quem não gosta de receber uma foto sua? É uma espontaneidade. E eu adoro as fotos instantâneas.

 

 

Antônio com o Reitor, Padre Josafá, e o Vice-Reitor Comunitário, Augusto Sampaio. Foto de Gabriel Molon

 

O Vice-Reitor Comunitário ressalta que são as imagens de Antônio que permitem rememorar a história da PUC nestas últimas cinco décadas de união:

 

– Na história desta Universidade, certamente o Antônio foi o grande responsável pelas imagens que temos da PUC neste período. Ele começou humildemente, como auxiliar da biblioteca. A universidade permitiu que este jovem, que seria talvez um aposentado aos 30 anos de trabalho, revelasse sua vocação, que era a fotografia. Isso mostra como é importante as instituições darem chances e abrirem campo aos funcionários, para as competências que não seriam desenvolvidas e despertadas. O que significa você passar praticamente sua vida inteira no trabalho? Cinquenta anos são bodas de ouro mesmo. Como se fosse um casamento. E esta parceria PUC e Antônio é um casamento que deu certo – comenta o Vice-Reitor Acadêmico, professor Augusto Sampaio, que tem 49 anos de PUC, um a menos que Antônio.

 

Antônio não esconde a gratidão pelo que pôde viver, aprender e partilhar, crescendo junto com a Universidade, apenas sete anos mais velha que ele:

 

– Não sei se eu seria a mesma pessoa se não tivesse a PUC na minha vida, na minha formação intelectual, nos conhecimentos que adquiri aqui. Não só em fotografia, mas em outras atividades que complementaram a minha formação, como o curso técnico de eletrônica. Quando trabalhava na biblioteca, eu até levava bronca do meu diretor, porque eu ficava folheando os livros e até pegava emprestado para ler. Eu gostava de eletrônica, de fotografia, alguma coisa de literatura e cursos de extensão ligados à microfilmagem. Era uma tentação. Outra coisa foi quando meus filhos vieram estudar aqui. Foi muito gratificante a entrada deles na universidade. Como funcionário, enfrentamos e temos que superar diversas dificuldades: estrutural, pessoal, econômica, política. Quando fazemos bem o trabalho, isso emociona. 

Mais Recentes
Alunos terão desconto em moradia universitária
PUC-Rio fechou parceria com Uliving, maior rede deste tipo de serviço no país
Gregório Duvivier celebra literatura em Aula Magna
Escritor acredita que o bom humor é o segredo para lidar com o mercado
Diretor do Laboratório de Los Alamos visita a PUC-Rio
O professor Joseph F. Pilat participou da palestra “Um mundo sem o TNP revistado”