Evolução da antropologia naturalista à luz da colonização da América
02/12/2016 16:29
Raul Pimentel

No contexto da colonização europeia da América, especialistas de diversas áreas discutem universalidade da natureza humana, a importância da cultura e sua relação com o homem natural e evolução do pensamento antropológico.

Mais de 500 anos se passaram desde o descobrimento da América por Cristóvão Colombo, em 1492, e do descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral, em 1500. Os fatos deram início a um processo de intensa transformação não só na sociedade europeia e na indígena, mas no pensamento antropológico e na noção de natureza humana. Esse foi o tema da mesa A Queda do Homem Natural: A Questão Antropológica na Descoberta do Novo Mundo: A Antropologia Naturalista na Base da Formação da Noção de Direitos (Humanos) dos Índios, o segundo encontro do evento A Consciência Crítica da Conquista e Colonização da América na Escola Ibérica da Paz (séculos XVI e XVII), realizado pelo Núcleo de Direitos Humanos do Departamento de Direito. Estavam presentes os professores Danilo Marcondes (PUC-Rio), Bethania Assy (PUC-Rio) e Alfredo Culleton (Unisinos), enquanto a mediação foi do professor Maurício Rocha (PUC-Rio).

O grande choque de culturas que é frequentemente associado aos primeiros contatos entre europeus e índios vai além das diferenças de vestimenta, cor e objetos utilizados pelas partes. Hábitos, conhecimentos pragmáticos da vida local e relações diferentes com a religião reformularam a maneira com que os europeus enxergavam o mundo. O professor Danilo Marcondes explica:

– Em suma, a Era dos Descobrimentos mostrou que era necessário rever a concepção de natureza humana. Ela provou que, naquele momento, era necessária uma nova ciência, uma ciência do novo mundo. Nesse sentido, ele é fundamental para a formação do pensamento moderno.

Marcondes aponta que o então Novo Mundo não se encaixava no pensamento científico de Caio Plínio Segundo (Plínio, o Velho), naturalista romano cujo trabalho teve enorme influência no que se tornaria o saber científico até o a era do Descobrimento. Segundo ele, a noção de universalidade da natureza humana é cristalizada no século XVI.

Professores Alfredo Culleton (ao fundo), Bethania Assy e Danilo Marcondes (Foto: Fernanda Szuster)

A fala da professora Bethania Assy teve como centro a noção de racionalidade e humanidade dos povos ameríndios – como são chamados os povos do continente americano antes da chegada dos europeus. Tendo em vista a força da influência da Igreja Católica na cultura europeia, era um momento em que se dizia que tais povos não tinham alma ou racionalidade.

– Mas que racionalidade é essa? – Questiona a professora. – Seguramente não falamos aqui da racionalidade kantiana do século XVIII. Falamos de outro tipo de racionalidade.

A professora usa uma citação do livro Diálogo sobre a conversão do gentio, do brasileiro Manuel de Nóbrega – também exposta no pilotis do Edifício Kennedy durante os dias 28 a 30 de novembro – para se aprofundar no debate. O personagem Gonçalo Alves pergunta: “Estes [bárbaros] têm alma como nós?”. Mateus Nogueira responde: “Isto está claro, pois a alma tem três potências, entendimento, memória, vontade, que todos têm”. Ela também menciona o autor espanhol Francisco de Vitória, que ressalta que, ao modo ameríndio, os índios teriam rácio – racionalidade, capacidade de exercer a razão – porque tinham forma própria de ordenação da vida.

– A rácio seria o entendimento, uma memória, uma vontade que produziu um ordenamento próprio da vida. Quais ordenações seriam essas? A organização social, organização afetivas, organização de trocas, relacionamento com algo que é transcendental, de natureza religiosa.

Era possível entender, portanto, que havia racionalidade e humanidade nos chamados povos gentios. Era possível entender que existiam vários modos de racionalidade e que, principalmente, a ideia de natureza humana está intimamente ligada na cultura que se estuda, sendo inclusive modelada por ela. Para Bethania, essa é uma noção cara para o debate.

Professor Alfredo Culleton e Bethania Assy (Foto: Fernanda Szuster)

O professor Alfredo Culleton, por sua vez, leu o sermão Sermones del dulcísimo nombre de María, do espanhol José de Aguilar, pregão em 1687 e publicado em 1704. Ele apresenta o sermão como uma autêntica peça política. O texto denuncia dos horrores da prática da mita – um sistema de trabalho compulsório em que se trabalhava entre 4 a 6 meses em minas para extração de minérios – e uma comparação do trabalho compulsório com o próprio inferno católico. 

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