Ministra Cármen Lúcia: "Neste momento de descrença, o STF deve cumprir seu papel"
29/08/2017 16:18
Fernanda Teixeira

Em Aula Magna do Departamento de Direito, a presidente do STF disse acreditar no Brasil, em especial nos jovens, e defendeu que o Judiciário esteja firme "no dever de atuar de maneira coesa e imparcial". Reitor registra que, em momento carente de lideranças com credibilidade, presença da ministra e seu testemunho de esperança, simplicidade e profundidade de conhecimento enriquecem a PUC.

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, defendeu a valorização do Judiciário como um dos caminhos para o país vencer a turbulência política, em aula magna do Departamento de Direito da PUC-Rio, sexta-feira (25). No auditório lotado de estudantes e professores, ela ressaltou que o caminhar autônomo, firme e harmônico dos poderes republicanos é essencial para a confiança da população nos rumos democráticos. Quanto mais o STF “atuar de maneira coesa e imparcial”, argumentou a ministra, mais o cidadão brasileiro será capaz de acreditar nos juízes e “em um eixo central de democracia”.

— Os ministros do STF não são donos de suas decisões, mas sim a Constituição e a lei. Quanto mais o Supremo atuar de maneira coesa, imparcial, de forma que o cidadão brasileiro possa acreditar que os juízes agem rigorosamente nos termos do que a Constituição determina, teremos cada vez mais um eixo central de democracia no qual acreditar. Neste momento de descrença, o STF deve cumprir o papel de garantir o respeito à livre interpretação e à imparcialidade dos juízes. Temos um sistema recursal que garante que, se um juiz não agir de acordo com o que deve prevalecer, que se chegue a outra conclusão para o caso.

 

Ministra Cármen Lúcia. Foto Isabella Lacerda

Convidada pelo Centro Acadêmico Eduardo Lustosa (Cael) a debater sobre o tema “papel do Judiciário em tempo de instabilidade e descrença política”, a ministra se mostrou otimista quanto ao futuro do país, apesar do sentimento generalizado de desconfiança nos políticos e nas instituições democráticas. Cármen Lúcia disse “acreditar no Brasil, em especial nos jovens”, e ponderou: “Toda geração acha que vive o tempo mais complicado do mundo”.

— Muitas vezes temos a impressão que estamos vivendo o pior dos mundos. A intolerância entre brasileiros é enorme hoje, mas em 1926, por exemplo, Ruy Barbosa também foi vítima de intolerância. Repetimos fases da história. Crimes e desmandos, especialmente no espaço público, geram intolerância. Não sinto descrença do Brasil, nem descrença política porque acredito nos jovens brasileiros. Acredito que a consciência do outro e da coisa pública entre os jovens de hoje mudou para melhor, deles surgirá um Brasil muito melhor. Os jovens, em especial os estudantes de direito, têm um grande potencial de ajudar a transformar o Brasil.

 

Presidente do STF, Cármen Lúcia. Foto: Isabella Lacerda

A ministra, também professora da PUC-MG, revelou adorar o contato com alunos, buscando conciliar os compromissos profissionais com convites feitos por estudantes de direito. Em clima descontraído, a ministra disse que “sempre anda com a Constituição na bolsa” e levou os presentes às gargalhadas ao contar um episódio em que estacionou o carro para comprar algo em uma feira e teve sua Constituição furtada. Após perseguir o ladrão, sem sucesso, gritou: “Aproveite e leia!”. Mais tarde, ao comentar o caso com os colegas de STF, disse: "Estão vendo como o Brasil já melhorou? Agora roubam a Constituição!”.

Cármen Lúcia também elogiou o trabalho dos cerca de 16 mil juízes em atuação no país e a habilidade dos brasileiros em criar leis pioneiras:

– Os brasileiros são craques em fazer leis. Temos leis, antigas e atuais, copiadas no mundo todo. A dificuldade é aplicar as leis. A aplicação das leis não cabe só aos juízes, mas também aos cidadãos. Cumprir leis é difícil, mas é preciso criar esta cultura. Temos juízes valorosos no Brasil. Os juízes de 1ª instância trabalham duro, muitas vezes em condições precárias, correm riscos e são profissionais dedicados, que lutam para que prevaleça o que lhes parece justo. Os equívocos passam por um sistema que funciona aquém do que é capaz. O Judiciário precisa ser valorizado. Erros acontecem e precisam ser consertados, mas não é isso o que predomina no Brasil.

 

Ministra Cármen Lúcia com alunos e professores de Direito. Foto Isabella Lacerda

Outro importante papel do Judiciário, segundo a ministra, é tentar igualar os diferentes cidadãos perante a lei. Os desafios de fazer justiça nos quase 80 milhões de processos em tramitação são enormes, mas os juízes, em especial os constitucionalistas, têm o dever de entender o caráter vivo do direito e mudar suas interpretações de acordo com as mudanças nas demandas sociais, mesmo que muitas vezes tenham que fazer as chamadas “escolhas trágicas”.

– O Judiciário ainda hoje cumpre papel de igualar os diferentes cidadãos. O Direito é vivo. Constituição se interpreta e reinterpreta muitas vezes, e ela é a lei do cidadão. O papel do STF é garantir a Constituição, segundo a interpretação dinâmica. A vida muda, as relações mudam, o sentido das coisas muda, e a Constituição não pode continuar tendo a mesma interpretação. Os juízes muitas vezes não têm escolhas fáceis. Este é o desafio posto ao juiz constitucionalista contemporâneo. O povo, antes visto de forma distante, hoje é visto como um conjunto de pessoas de carne e osso, mais consciente de seus direitos e com muitas demandas.

A ministra ressaltou, ainda, “o direito de todo cidadão a um governo honesto”, e disse “não considerar a descrença política uma boa escolha de um povo”. Segundo ela, “é na política que se discute e se chega a consensos, respeitando os melhores valores da democracia”. Citando o poeta português Fernando Pessoa, encerrou a aula magna com uma mensagem de otimismo, que emocionou muitos alunos:

– Se eu fragilizar minha crença no Brasil, vou enfraquecer o que foi a luta da minha vida. Minha esperança é como disse uma vez Fernando Pessoa no poema O guardador de rebanhos: “Quando eu morrer, dá-me sonhos teus para eu brincar”. Quero que vocês me deem sonhos que eu dou aos meus alunos, um sonho de um novo Brasil, muito melhor para os que vierem depois de nós.

Os professores do Departamento de Direito Florian Hoffman e Rogério Nascimento fizeram os agradecimentos à ministra, lembrando a tradição da PUC no Direito Constitucional, na graduação e pós. O Cael foi representado pelos alunos Bernardo Mattos, Matheus Tavares e Bruno Cardoso.

Em nota, o Reitor da PUC-Rio, padre Josafá Carlos de Siqueira, registra que "a presença de pessoas sábias e coerentes que transmitem testemunho de esperança, simplicidade de vida e profundidade de conhecimento enriquece a Universidade nestes momentos difíceis em que vivemos, carentes de lideranças com credibilidade", e parabeniza os alunos pela iniciativa do convite à ministra. 

Leia em Presença que nos honra

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