Diretora da Anistia Internacional vê "profundas violações aos direitos humanos"
28/08/2017 14:43
Ana Clara Silva

Em aula magna de Direito, Jurema Werneck pediu mais esperança e resistência a ataques no mundo. 

No dia em que o Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio completou 15 anos, em 28 de agosto, a diretora da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, ministrou aula magna a convite do Departamento de Direito. Fundadora da ONG Criola, que luta pelos direitos de mulheres negras focando em instrui-las contra o racismo, o sexismo, a lesbofobia e a transfobia, a ativista afirmou que os direitos humanos estão vivendo uma crise, mas acredita ser possível superá-la, e o primeiro passo é a partir de atitudes tomadas no nosso cotidiano, mesmo que sejam pequenas.

Jurema expôs sua preocupação com as “profundas violações” dos direitos humanos no Brasil e no mundo. Para a ativista, a rapidez na circulação de informações faz com que as pessoas fiquem mais perdidas e demorem mais para assimilar e reagir:

– Agora é o momento de falar de dor, de revolta, de inconformismo, é hora de fazer uma análise de uma situação de direitos humanos, que nos coloca diante de profundas violações. Os direitos humanos estão sendo atropelados. São muitos os cenários de violação aos direitos humanos, e aqueles que levantam suas vozes e mãos e lutam vivem sob ameaça. Muitos já foram mortos, outros estão presos. Nos sentimos presos, a todo momento notícias ruins chegam na velocidade das redes sociais, e são tantas que é difícil compreender e reagir a tudo. Nessa vertigem coletiva, parece que a única escolha que temos é nos manter em pé em frente a um abismo, sem poder dar um passo para trás.

Invasão ao Jacarezinho

O primeiro exemplo usado por Jurema foi a atuação da polícia ao invadir a favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio. Citando trechos do pedido da Defensoria Pública do Rio ao exigir o fim da ação, a ativista afirmou que, motivados por vingança, os agentes criaram uma situação de guerra, ponde em risco a vida dos moradores e privando-os dos serviços básicos, como coleta de lixo e transporte público.

– Neste 28 de agosto, faz 17 dias da invasão do Jacarezinho. A Defensoria Pública reagiu e exigiu a interrupção desse ataque. Nas palavras da Defensoria, essas forças do estado moviam-se em retaliação à morte de um policial da Coordenadoria de Recursos Especiais, no dia 11 de agosto. Após essa morte, eles iniciaram a invasão da comunidade. Segundo a juíza que deferiu o mandado, esses policiais eram “voluntários de várias delegacias especializadas e de forças amigas, Polícia Federal e a Policia Rodoviária Federal, através de suas equipes de elites”. Policiais voluntários. Quando eu ouço isso, enxergo a informação de que era uma aglutinação de agentes do estado que se movimentavam de modo voluntário, e isso quer dizer ao arrepio da lei.

Usando a fala de um desembargador, também do Estado do Rio, ela afirmou que a operação foi movida por vingança.

– Para o desembargador João Damasceno, essas forças podem ser equiparadas a uma força clandestina criada para vingar a morte, como acontecia na época da ditadura. O saldo foi de sete mortos, oito feridos, 26.965 crianças e adolescentes sem aulas, 64 escolas fechadas, suspensão dos serviços públicos como coleta de lixo, saúde, transporte.

Aula magna de direito

Rafael Braga

O jovem Rafael Braga, preso em 2013 e condenado por tráfico de drogas, com base apenas no relato de policiais, também foi um dos exemplos usados por Jurema. Jovem, negro e pobre, Rafael Braga foi detido pela primeira vez na Cinelândia, nas Jornadas de Junho. Segundo seu depoimento, confirmado por laudo do esquadrão antibomba da Polícia Civil, ele carregava duas garrafas de plástico, uma de Pinho Sol e outra de desinfetante. Os policiais alegaram que Braga carregava um coquetel molotov e, assim, foi condenado. Desde então ocorrem muitas manifestações pela sua liberdade. Jurema Werneck crê que Rafael Braga representa a maioria dos jovens negros que têm de lidar com a “força do Estado”.

– Rafael Braga não é um, mas a representação de muitos, de milhares que apodrecem sob a tortura cotidiana do cárcere brasileiro. Rafael é um jovem negro como tantos outros, expostos indefesos sob a fúria genocida de um Estado racista. Quando dizemos o nome dele, Rafael Braga, é preciso saber que junto com ele estão mais de 600 mil brasileiros e brasileiras, 85% dos negros e negras que formam a quarta maior população das prisões do mundo.

Mirando o encorajamento dos ativistas, Jurema falou sobre a resistência e como para ela é fundamental que todos eles continuem firmes, mesmo em “tempos difíceis”. Com um discurso firme e uma leitura forte, a médica formada pela UFF emocionou professores e alunos ao lembrar que nada está perdido e que historicamente a situação já esteve pior, ou igual, mas a superação chegou.

– Nos sentimos reféns, e pode ser que sejamos mesmo. Mas a única escolha do refém é escapar, é romper, é fazer a liberdade, sabendo que o tempo da política é o tempo da história, é tempo dos processos de disputa, de hegemonia e das novas disputas. A história não tem fim, e isso quer dizer que nenhuma derrota é definitiva. Nenhuma derrota é definitiva porque nenhuma vitória é definitiva. Resistência é um jeito de se colocar no mundo de forma propositiva, um jeito de compor o movimento da virada e quando ela chega. Resistência é o jeito de estarmos prontos e prontas, resistência é a enunciação de um futuro melhor, imaginando como deve ser e gerando as energias capazes de nos levar até ele. Sempre foi assim, e precisa continuar sendo.

Citando Zumbi dos Palmares, cuja trajetória de luta “tinha tudo para dar errado”, Jurema incentivou os estudantes de Direito e ao público presente a “lutar pelo impossível”:

— Me parece que sua figura heroica [de Zumbi] é talvez o único símbolo que pode nos animar no momento. Foi lá, no abismo, no alto das montanhas dos Palmares, que uma outra nação foi instaurada como exemplo de resistência. Houve ataques, houve a força desigual e genocida do Estado, houve aprisionamentos e muitas derrotas, mas o dia chegou e o regime da escravidão foi derrotado. É isso que quero ver aqui, entre nós e por nós. Lutar pelo impossível, como já lutou quem veio antes de nós.

E, com a música Zumbi, de Jorge Ben Jor, ela expressou seu desejo de ver as pessoas se animarem e continuarem a militar pela causa.

– Eu quero ver, como na canção de Jorge Ben Jor “eu quero ver, eu quero ver, quando Zumbi chegar”. Eu quero ver a nossa imaginação, nossos sentidos, nossa ação desenhar um outro projeto, que signifique restituição, reparação e avanço. Que permita nos trazer de volta liberdade, destruindo as correntes de desânimo, descrença e da desesperança que nos fazem reféns. 

Padre Josafá Carlos de Siqueira S.J.

Reitor congratula Núcleo de Direitos Humanos

A aula magna foi aberta pelo Reitor da PUC-Rio, padre Josafá Carlos de Siqueira, S.J., que agradeceu ao Núcleo de Direitos Humanos por viabilizar o compromisso da Universidade com os direitos humanos. Parabenizando pelos 15 anos de serviços, padre Josafá lembrou a criação da disciplina Direitos Humanos e Justiça Socioambiental, pois segundo ele “os direitos da criação não podem ser separados dos direitos humanos”.

– Agradeço ao núcleo por visibilizar o compromisso da Universidade com os direitos humanos. Ele tem sido inspirador, tanto em ações como no âmbito institucional e ao irradiar as ideias no ambiente acadêmico. Os cursos de idiomas, por exemplo, já abordam muito o tema, a pastoral também tem uma vertente voltada para os direitos humanos. Os direitos da criação não podem ser separados dos direitos humanos, a encíclica Laudato Si’ contribuiu muito para isso. Lutar contra as culturas do individualismo, a de descarte, vamos descartando as relações com o planeta e com o ser humano.

Leia também: Ministra Cármen Lúcia: "Neste momento de descrença, o STF deve cumprir seu papel"

Mais Recentes
Angústia do lado de fora das grades
Mães relatam o medo de os filhos contraírem Covid-19 no cárcere
Os 30 anos do voto democrático
Constituição de 1988 completa 30 anos e marca a abertura do voto facultativo para jovens de 16 e 17 anos, idosos acima dos 70 e analfabetos 
Informalidade no trabalho se torna empreendedorismo
Aumento do número de empregos sem carteira assinada apresenta nova face do trabalhador brasileiro