Em parceria com o Clube Naval Piraquê e o Instituto Nacional de Surdos (Ines), a iniciativa fornece aulas de vela para surdos e busca incluir deficientes auditivos no esporte. Hoje, o projeto está incubado no Instituto Gênesis e busca parceria para financiar o primeiro glossário de libras para a vela.
A partir das aulas lecionadas por Luisa no Ines, surgiu a ideia de criar um glossário para os termos técnicos da vela. O projeto inicial consiste em criar sinais para 50 palavras que fazem parte da prática do esporte. Para isso, o Velejando por Um Mundo Melhor terá o apoio do Instituto Tecgraf, sediado na Universidade, para desenvolver imagens em 3D que indiquem como comunicar os termos em um diálogo em libras. Para concluir o projeto, Luisa busca parceiros que possam pagar pela produção do glossário.
- O objetivo é que a pessoa passe o celular no glossário e já venha uma imagem que mostre o sinal a ser feito para representar determinada palavra. Vai ter o formato da mão fazendo a vela, o barco, e os outros elementos em 3D. Os livros em libras usam muitas setas. Algumas vezes é difícil saber qual a primeira movimentação que deve ser feita. Por isso a importância das imagens em 3D.
Ao receber a proposta de ensinar um aluno surdo a velejar, Luisa, que também é atleta, decidiu aprender libras no Ines. Nas aulas, ela descobriu que não havia sinais que comunicassem os comandos e termos técnicos do esporte. Assim, ela propôs o desenvolvimento dessa linguagem ao longo das aulas frequentadas por Raphael. No fim de 2016, o Ines se interessou pela iniciativa e ofereceu uma sala para que Luisa ensinasse a uma turma de surdos, em aulas quinzenais, a teoria do esporte.
- Criei mecanismos de bandeira e sinalizações para me comunicar com o Raphael. Hoje, ele veleja sozinho e se tornou o primeiro surdo federado, pelo Clube Naval Piraquê. Decidi expandir o projeto para que outras crianças com deficiência auditiva pudessem velejar. Eu não queria que o Raphael fosse o único – diz Luisa, que é aluna do curso de Administração da Universidade.
Para Márcio Penteado, pai de Raphael, a dificuldade em se expressar é o maior desafio do filho. Durante três anos, Raphael não usou aparelho auditivo por um erro de diagnóstico médico, o que atrasou a oralização do menino. Hoje, o pequeno velejador comunica-se oralmente e por meio da linguagem de libras.
- O esporte traz saúde, disposição e a socialização, que é muito importante para o Raphael. Ele é um menino muito sociável, que tem a necessidade de se relacionar. A atenção especial que ele recebe nas aulas de vela traz uma certa zona de conforto para ele. Além de ser bom para a saúde, o esporte o ajuda a superar, aos poucos, essas limitações – comenta Márcio.
Segundo Luisa, o retorno dos pais e professores dos alunos que fazem parte do Velejando por Um Mundo Melhor foi positivo. Crianças que antes tinham comportamentos agressivos e apresentavam dificuldade em se concentrar agora estão mais atentas. Para programar as atividades das aulas, a atleta contou com o auxílio dos professores de educação física do Ines Murilo Castelo Branco e Leonardo dos Santos. O resultado da iniciativa fez o Instituto demonstrar interesse em abrir novas turmas neste primeiro semestre de 2018.
Com a pesquisa desenvolvida ao longo das aulas, o Velejando por Um Mundo Melhor foi convidado para participar do Congresso Internacional de Educação de Surdos (Coines) no ano passado. O projeto conquistou o segundo lugar do congresso e conseguiu o direito de publicar um artigo, ainda no primeiro semestre deste ano, na revista Arqueiro.
A iniciativa do Velejando por Um Mundo Melhor proporcionou um novo desafio para Luisa. A jovem foi convidada para ser a primeira técnica da seleção brasileira de vela para surdos, que representará o país no 1º Mundial de Vela de Surdos. A competição ocorrerá entre os dias 22 e 29 de setembro, na Polônia, e já tem feito a atleta quebrar a cabeça.
- Para esse desafio, terei que escolher duas crianças com aptidão para competir. O Raphael não pode correr porque ele é muito novo. É importante ressaltar que essa competição é um primeiro passo para a profissionalização da vela para deficientes auditivos e representa um novo leque de oportunidades para essas crianças.
Para a professora do Departamento de Educação Zena Einsemberg, que leciona a disciplina Diversidade e Inclusão Educacional, um processo de educação inclusivo consiste no convívio entre pessoas comuns e com necessidades especiais. Segundo ela, essa interação é necessária porque indivíduos diferentes aprendem uns com os outros.
- Acho que pensar em uma turma só de deficientes é, novamente, excluir. O convívio entre diferentes possibilita que as crianças criem macetes e ajudem umas às outras. No caso da audição, as crianças que não são surdas podem aprender a linguagem de libras. Inclusão é a sociedade acolher essas pessoas diferentes e também aprender com elas.
Zena destaca que, no caso do Brasil, ainda há muitas barreiras para a inclusão dos deficientes. Segundo ela, professores dificilmente dominam a linguagem de libras, ainda que seja obrigatória para a licenciatura. A professora ainda comenta que, no mercado de trabalho, muitas empresas usam a contratação de deficientes como uma forma de propaganda.
Luisa sonha com uma turma inclusiva. A fundadora do Velejando por Um Mundo Melhor compactua com a visão da professora e afirma que o ideal é realmente promover esse convívio. Apesar do desejo, ainda não há projetos de turmas como essa para a iniciativa.