A literatura produzida por negros no país ganha espaço a cada dia. Nomes como Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro, Elisa Lucinda e Lázaro Ramos já são reconhecidos pelo mercado literário. Com uma narrativa própria e que expõe as mazelas do povo afro-brasileiro, os escritores apresentam histórias do dia-a-dia. Em forma de denúncia e baseadas em casos reais de um país que ainda luta para alcançar a igualdade entre as raças.
Na história, Castro Alves aparece como o primeiro a denunciar a violência sofrida pelos negros no país em O Navio Negreiro, mas ele não era negro. O professor Otávio Henrique Rodrigues Meloni, do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) comenta sobre o processo de embranquecimento de Machado de Assis e aponta para o retrato do negro na literatura nos livros didáticos. Segundo ele, há um apagamento nas escolas da participação negra na composição literária do país.
– É impossível que em um país onde sua população é majoritariamente negra, que a gente ainda tenha que ficar pinçando e falando cheio de dedos que o Machado é negro, que esqueceram o Cruz e Souza e que o Lima Barreto foi subutilizado na história da literatura.
Meloni aponta que o negro foi por muito tempo um personagem caricato e relatado com preconceito. Segundo ele, foi importante que, no final do século XX e início do século XXI, mais vozes negras apareceram em livrarias, com relatos, experiências, olhares, pontos de vista e especulações sobre o seu lugar na sociedade que problematizam autores como Gilberto Freyre.
– São feridas que continuam abertas. De maneira hipócrita, a sociedade brasileira constrói um discurso genérico de que não existe racismo no Brasil, de que existe uma harmonia racial, assim como desenhou Gilberto Freyre. Eu acho que ainda falta muito para gente ter pelo menos um equilíbrio nisso, mas acho que o que acontece hoje com esses autores é fundamental – ressalta.
O professor de Cultura Brasileira Gabriel Chavarri Neiva, do Departamento de Comunicação Social, afirma que o que fica para a cultura do país é um questionamento dos argumentos passados. Para Neiva, a questão periférica retratada na literatura passa pela experiência do negro no Brasil e que, portanto, é inevitável falar de racismo e escravidão. Ele destaca que ter uma diversidade de pessoas que escrevem e relatam realidades diferentes é algo essencial.
– É importante falar que há vozes heterogêneas, porque às vezes as pessoas querem ver o outro, o negro, o índio, a mulher por um homogêneo, e não é assim.
O escritor, ator e apresentador Ernesto Xavier escreveu o livro Senti na Pele, baseado nos relatos da sua página na internet de mesmo nome. Inspirado pelos avós e pela tradição oral que carrega, ele afirma que a importância de o negro fazer literatura nos dias de hoje é que as vivências e subjetividades passam a ser escritas por eles mesmos. Mas, observa: o negro não escreve apenas sobre questões da negritude, mas de subjetividades, amor e medos também.
– São as necessidades, não podemos sermos colocados na caixinha de que nós só podemos falar e escrever sobre isso, nós podemos escrever sobre tudo o que quisermos. Inclusive sobre o que não somos, assim como fizeram conosco a vida inteira.