Os contos de Clarice Lispector foram um dos temas abordados pelo III Seminário de Estudos Interdisciplinares em Mística, que ocorreu nos dias 11 e 12 de junho, no miniauditório do RDC, e contou com a presença de autores e estudiosos de mística, religião e literatura. Na segunda-feira, pela manhã, o encontrou foi aberto com uma mesa mediada pela coordenadora geral da Cátedra Carlo Maria Martini e professora Maria Clara Bingemer, do Departamento de Teologia.
A professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET/MG) Cleide Canchumani destacou como o conto O amor, de Clarice Lispector, trata Deus como uma aposta, em que a teologia é uma narrativa de ficção. Ela também contrapôs com a crença da própria autora na fé religiosa. Cleide relembrou que, ao ler um livro, a pessoa entra na história e esquece o mundo em volta. Porém, ao fechar a obra, a narrativa ali escrita não interfere na vida real. A Bíblia, para ela, é uma exceção a essa regra. Os escritos refletem na realidade de quem os lê.
Maria Clara Bingemer marcou que a fé é uma maneira do ser humano de conseguir explicar o inexplicável. O fato de não entender elementos do cotidiano angustia as pessoas, que são confortadas pelas palavras de Deus e pela fé religiosa. Para Maria Clara, os contos de Clarice provocam o homem, que muitas vezes não está preparado para lidar com muitas situações.
Na parte da tarde, Cleide Oliveira falou sobre a mística nos textos de Clarice Lispector. Participaram por videoconferência os outros dois debatedores, o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e doutor pela PUC-Rio Jimmy Saudário e o professor em filosofia da Universidade Federal de Sergipe Cícero Bezerra.
A professora Cleide explicou que teve contato com a mística na graduação. Depois de ter lido um texto do filósofo George Bataille sobre o assunto que, segundo ela, a deixou impressionada e apaixonada, os místicos se encaixaram com o objeto de estudo que ela pesquisava, o amor e o erotismo. Cleide recomendou os contos Amor e Perdoando Deus, de Clarice Lispector, para uma prova do assunto na obra da escritora.
- Eu gosto disso, eu gosto dessa mistura. Bataille fala 'porque essas aproximações tão fortes do erótico com o místico?', porque para ele nasce tudo do mesmo lugar, que é um lugar de falta, de desejo, desejo pelo absoluto. O George Bataille fala que a mística não é essencialmente religiosa, ela pode se dar na arte, no erotismo, no sexo, na guerra. Ele não fala místico, ele chama de experiência interior. Então essa experiência interior pode acontecer em várias situações.
Na terça-feira, o Grupo Apophatiké fechou os encontros com a discussão do tema Para uma teopoética da sede de Deus’. Os participantes do grupo apresentaram os textos produzidos por eles e, ao final, a discussão foi aberta ao público. Um dos fundadores do grupo e doutorando em filosofia pela PUC-Rio, Marcus Reis contou que o Apophatiké surgiu de um grupo de estudos que envolviam pessoas de diversas formações, todas elas com o interesse em comum pela religião.
Para Reis, mística é um momento de encontro entre o indivíduo e Deus. A tarefa do filósofo é, segundo ele, tentar entender o indizível, essa experiência tão radical que dificilmente pode ser traduzida pelo vocabulário ordinário. O nome do grupo já contém um elemento desta experiência. De acordo com Marcus, o termo Apophatiké, que em grego significa negação e o ‘indizível’, foi uma escolha apropriada para o grupo que tenta explicar o inexplicável.
- Você não pode falar sobre Ele (Deus) como você fala sobre as outras coisas. Ele é impronunciável. É um tipo de falar sobre Deus que você nega todas as etapas. Deus não é o ser-humano, Deus não é uma pedra, um carro, um animal, Deus não é nem Deus, porque Deus é um conceito nosso. Mas cada um do grupo tem interesse pela religião. A gente começou como um grupo de estudos informal para estudar temas relacionados à religião e a diversas disciplinas.