Prisão é o maior entrave para ressocialização, indica pesquisa
05/05/2017 19:22
Helena Carmona

Para especialistas como a professora de Psicologia da PUC-Rio Maria Helena Zamora e a socióloga Julita Lemgruber, reintegração do egresso exige revisão do modelo prisional e redução da população carcerária, que caminha para 700 mil no país, a quarta do mundo. 

Dois fatos no início do ano ressucitaram o debate da ressocialização: a eclosão da crise penitenciária nas rebeliões em Natal e Manaus, onde 56 presos morreram; e a liberação, em fevereiro, do goleiro Bruno, condenado, em 2013, a 22 anos, pelo assassinato de Eliza Samudio. À soltura, graças a liminar deferida pelo ministro Marco Aurélio de Melo, acompanhou-se a não menos polêmica contratação do ex-jogador do Flamengo pelo Boa Esporte, time de Varginha, Minas. Tanto as matanças quanto a controversa liberação de Bruno despertaram discussões não só sobre o aperfeiçoamento do sistema carcerário — cujas precariedades materializam-se, por exemplo, na superlotação e na influência de facções criminosas dentro dos presídios —, mas sobre a igualmente importante reirserção de ex-detentos na sociedade. Enquanto 70% dos cariocas acreditam na ressocialização, como atesta a pesquisa Olho por olho, especialistas na área mostram-se céticos. Alertam: o atual modelo carcerário dificulta muito, ou mesmo inviabiliza, a reintegração. 

Números comprovam o alerta. De acordo com uma pesquisa feita em 2015 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um quarto dos condenados volta à prisão. A taxa de 24,4% pode não parecer tão alta, mas assume uma dimensão próxima da tragédia ao se considerar a população carcerária do país: quarta no mundo, com 622 mil presos, aproximadamente. Para a professora de Psicologia da PUC-Rio Maria Helena Zamora, especializada em psicologia jurídica, dentro do sistema carcerário atual, não há possibilidade de recuperação:

— Se tem alguma coisa que a prisão não faz é ressocializar, porque as pessoas ficam confinadas em péssimos lugares. Não há estudos, não há trabalho ou preparação para o trabalho, apesar da lei. É como tentar fazer uma escola de natação onde as pessoas vão treinar no seco. Não tem essa possibilidade, não é um espaço de ressocialização, mas [a pessoa] continua na sociedade.

Sobre quais caminhos seguir para melhorar o sistema carcerário buscando uma reabilitação efetiva dos presos, ela questiona:

— Será que é para aperfeiçoar a prisão, ou são possíveis outros modelos, para além dela?

Métodos alternativos têm obtido resultados melhores, ponderam alguns especialistas. Um dos mais expressivos revela-se o da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. “O método APAC consiste em atos religiosos, palestras de valorização humana, biblioteca, instituição de voluntários-padrinhos, pesquisas sociais (conhecer as causas), representantes de cela, faxinas e outros trabalhos, reunião de grupo, concurso de composição e higiene das celas, contato com a família, conselho de sinceridade e solidariedade dos recuperandos.”, resume texto da CPI sobre o sistema carcerário, de 2009. Ainda de acordo com o documento, o índice de reincidência para o método não ultrapassa 12%, menos da metade da média nacional.

O sistema prevê cursos supletivos e profissionais, o que supostamente contribui para o menor índice de reincidência de crimes: qualificado, o egresso sai do presídio com maiores chances de conseguir um emprego fixo. Maria Helena diz que é possível "ter algo semelhante nas prisões comuns, mas não se deve deixar de pensar na ampliação dos métodos alternativos". Para ela, a ressocialização do preso está integrada ao cumprimento da pena, não à saída do preso:

— Algumas pessoas saem [das prisões comuns] com problemas mentais graves. Algumas não saem, porque lá mesmo são assassinadas; pegam tuberculose ou outras doenças e morrem por lá. O problema é muito mais grave do que isso [que um egresso consiga um emprego], mas uma coisa não invalida a outra. Acho interessante a inserção em formas de estudo, mas estas formas já poderiam acontecer na realidade prisional. Isso também não exclui (re)pensar as formas alternativas já existentes.

Embora as APACs tenham demonstrado eficiência, observa-se a necessidade de ampliar o número de unidades e a capacidade dessas unidades. Algumas comportam menos de 100 presos. Enquanto ainda predomina o modelo carcerário convencional, o economista Claudio Ferraz levanta a possibilidade de um auxílio financeiro ao egresso:

— A grande dificuldade para o detento quando sai da unidade prisional é de ter renda para sobreviver durante um período. Então, existe a necessidade de fazer alguma transferência de renda, mesmo temporária, até detentos poderem ter algum emprego, alguma fonte de renda. Para os egressos se reinserirem na sociedade, precisam sair [da prisão] com algum recurso. Isso contribiu para evitar que retornem à criminalidade.

Para socióloga e professora Julita Lemgruber,  especializada em segurança pública e sistema penitenciário, não se pode pensar em ressocialização "sem, antes, diminuir drasticamente a população carcerária brasileira", que se aproxima dos 700 mil. Ela sugere uma melhor seletividade na política carcerária:

— A privação da liberdade não é um castigo que tem o dom de transformar um criminoso em não criminoso. Então, o ideal é não prender os que cometem crimes sem violência e não oferecem risco à sociedade. Eles podem ser punidos com trabalho comunitário, por exemplo.

Para Julita, o cárcere deve estar reservado àqueles que "constituem algum perigo real para a sociedade". A prisão dos que cometem delitos menos graves ou ainda não foram julgados contribuiria, na avaliação da especialista, "apenas para o esgotamento do sistema":

— Mais de 40% dos presos no Brasil (entre 200 e 300 mil) ainda nem foram julgados. É evidente que, se fossem retirados da cadeia, ficaria mais fácil manejar os restantes. E, se desses que restaram, fosse possível manter presos apenas aqueles que apresentem algum risco a sociedade, o número cairia em dois terços. Os interessados em melhorar o sistema penitenciário têm de lutar para que não guarde pessoas que não deviam lá estar. Temos que encarar a crueldade desse sistema e admitir que só vai ser possível fazer alguma coisa quando houver um número muito pequeno de presos. Isso, sim, vai permitir a realização de algum tipo de trabalho que ajude o preso a, quando sair, encontrar algum outro caminho.

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